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O que há de humano na submissão à vergonha

O que há de humano na submissão à vergonha

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Recentemente, uma líder religiosa declarou: “É um absurdo pessoas cristãs levantando bandeiras políticas, bandeiras de pessoas pretas, bandeiras de LGBTQIA+, sei lá quantos símbolos tem isso aí.” Nessa cena é possível enxergar que o rigor e o respeito com a sigla que designa vida além da ciseteronormatividade são relativizados, em nome de uma tentativa de manutenção da ordem, do poder discursivo e da marcação de uma abjeção imposta aos corpos que demonstram a fragilidade da norma. Ainda é aterrorizante lembrar as palavras que se voltam contra, nos termos da pastora, contra “gente preta e gay”.

Essa fala, embebida de recursos normativos, nos coloca diante do interesse de poder e de retroalimentação das compreensões sobre o que pode ser considerado humano em oposição ao que, em outra localização política (à distância), deve ser grifado como o dejeto. É importante, no entanto, considerar que no interior desse desejo de manutenção esteja justamente uma degradação inicial que só pode ser mantida por meio da projeção da injúria, da construção do outro como um alvo permanente.

A designação da norma faz com que imediatamente tenhamos um campo de marginalidade à nossa frente. Assim, ao forjar uma norma que se beneficia da ciseteronormatividade e da brancura, ao mesmo tempo também se constrói, de modo discursivo, político e bélico, a margem — esse lugar destinado aos corpos dissidentes. Essa margem é um lugar e, ao mesmo tempo, um projeto político alimentado por uma moral precisamente restritiva. Nesse sentido, precisamos, como um esforço ético, subversivo e amplificador das nossas perspectivas, questionar o que há de humano na submissão à vergonha.

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Pensamos que a marcação do outro, a indicação de sua condição como injuriosa, na verdade, revela uma cortina de fumaça que esconde a intenção torpe de quem o ataca. Assim, se a concepção de humanidade se alinha diretamente à degradação do outro, descrito como menos humano, então, na verdade, a vergonha, a injúria e os parâmetros questionáveis se filiam a quem ataca e não aos sujeitos vitimados/as.  Entendemos que as tentativas de ridicularizar os esforços de sujeitos negros e LGBTQIAP+ por serem reconhecidos, numa realidade política que asfixia a sua presença, revelam o quanto sujeitos que se beneficiam desse jogo de aniquilação, na verdade, se escondem atrás de projetos de poder altamente genocidas. O absurdo, então, não está em defender a ampliação das nossas perspectivas, refutando, assim, as impressões violentas da cisetornormatividade e da branquitude — como um sistema de poder que limita a presença de sujeitos negros —, mas em se esforçar para cristalizar a cena político-moral como se ela não fosse palco de alianças torpes.