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Diálogos sobre a morte: vulnerabilidade e memória

Diálogos sobre a morte: vulnerabilidade e memória

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Neste  artigo, eu dialogo com o texto A falta do luto e a esperança: uma relação podada com a morte, recém-publicado na Coluna da filósofa Beatriz Pinheiro, aqui na Revista Senso.  Além de reconhecer a grandeza dessa pensadora, destaco a importância de percebemos como a impossibilidade do luto caminha, a partir dos interesses políticos e morais marcados pela construção do inimigo comum, lado a lado com a produção de existências interpeladas por uma destruição compulsória.

Beatriz Pinheiro, em diálogo com Judith Butler, indica que a impossibilidade do luto está associada às descrições de vulnerabilidade que circunscrevem, por meio dos dispositivos de poder, quais são os corpos subalternizados. Lemos, nesses termos, que a precariedade indica um modo de dizer sobre as existências que, a partir das lentes daqueles que se reconhecem como sujeitos, legítimos e vidas vivíveis, são dessubjetivados.

É necessário considerar que os enquadramentos forjados pelas forças descritivas do que é uma vida indicam quem são “os outros”, isto é, quais existências devem ser submetidas à injuria, como se ela fosse um destino. É difícil não lembrar de como a “moral restritiva” — modelos pelos quais agimos, tencionados pela manutenção de violências estruturais —, como apontamos no livro Inflexões éticas, denota uma relação bélica com os sujeitos designados por essa alteridade radical.

Esse fetiche pela destruição mascarado de “moralidade” faz com que os dispositivos de controle sobre a sexualidade, recurso mantido pelas frentes fundamentalistas, corroborem os atos de tripudio em relação à morte do ator Paulo Gustavo, por exemplo. Essa moralidade estreita e questionável faz com que as pessoas se esquivem dos mais de 400 mil mortos pelo COVID-19, bem como não enxerguem o quadro de 10,3 milhões de pessoas que passam fome no Brasil, como mostram os levantamentos do IBGE. Trata-se de uma produção de precariedade que marca os corpos vigiados e, ao mesmo tempo, naturaliza a morte, como um recurso multifacetado das gestões de extermínio.

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Assim, o controle, a vigilância e a subordinação compõem essa moral restritiva. O arranjo valorativo que se logra do escoamento dos que são estigmatizados descreve quem pode ser reconhecido como sujeito e, ao mesmo tempo, banaliza, em máxima potência, os corpos que são publicizadas como dissidentes.

A gestão das mortes, simbólicas e concretas, daqueles que são marcados por se descentralizem do que é apresentado como a norma faz com que essa mesma norma seja manchada de sangue. Beatriz Pinheiro, nos lembra que a memória é um elemento significativo para que não esqueçamos das vidas e que “rememorar é garantir que a história não se curve em outro sentido abandonando a existência daqueles que vivem enquanto pensamento.” É importante considerar também que existem sujeitos apagados do quadro da vida, em sua condição estigmatizada. Nesse sentido, entendemos, em diálogo com a filósofa, que há uma importância em rememorar, ao mesmo tempo que é significativo quebrar as lógicas que se beneficiam da destruição prévia de sujeitos mantidos às margens do que é reconhecido como vida.