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Atualidade, diversidade, liberdade: a pesquisa teológica nos Estados Unidos

Atualidade, diversidade, liberdade: a pesquisa teológica nos Estados Unidos

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Aqueles e aquelas que aqui me leem sabem que esta coluna tem algo de diário de bordo de uma aventura que começou com minha ida para Paris, em janeiro de 2020, para o doutorado na École Pratique des Hautes Études (Sorbonne) e que, agora, inicia um novo capítulo com minha entrada no Mestrado Avançado em Teologia Sagrada na Union Theological Seminary, da Universidade de Columbia.

Confesso que, em minha mente colonizada, sempre tive o sonho de morar e ir para a universidade nos Estados Unidos. Antes de ir para o doutorado na Sorbonne, tentei a bolsa da Fulbright e não passei. (Sim, todo o caminho é construído com muitas falhas, muitos nãos, muito trabalho. Não se trata de sorte.) Quis a vida que eu viesse parar em Nova Iorque e que um professor da Columbia, com quem troquei figurinhas sobre a pesquisa do doutorado, me indicasse o mestrado da Union para suprir uma necessidade imposta pelo meu visto. Uma outra história cheia de obstáculos, dificuldades e rejeições, que não vêm ao caso. Trata-se daqueles desvios de caminho que, no fim, nos colocam onde deveríamos estar.

E assim me encontro agora, no Mestrado de Teologia, em uma universidade norte-americana, numa das cidades mais cosmopolitas do mundo. Mas o que isso tem de tão especial? Se tivesse que responder em três palavras diria: atualidade, diversidade e liberdade. A sensação que tenho é que a pesquisa acadêmica na área de Ciências da Religião (denominada de Religious Studies ou Estudos Religiosos) e Teologia, aqui nos Estados Unidos, está buscando responder questões prementes, levando em consideração um mundo plural e está aberta à inovação que a liberdade de expressão dentro dessa diversidade pode trazer. Realmente, me sinto em um “novo mundo”. Tentarei exemplificar descrevendo rapidamente as três disciplinas que estou cursando.

A primeira disciplina tem o título autoexplicativo de Islamofobia. Pense num assunto atual! Através de exemplos históricos vamos entendendo os meandros do discurso Islamofóbico que foi sendo construído através dos séculos, sim séculos, de dominação cristã-ocidental. Um discurso que começa com a rejeição ao estrangeiro, ao diferente, e vai se tornando cada vez mais estrategicamente pensado, elaborado e executado para garantir “a paz” do Imperialismo hegemônico. É de dar nó no estômago, sentir vergonha e raiva ao mesmo tempo. Detalhe: a professora é uma mulher muçulmana, que orgulhosamente veste seu hijab. (O que na França, por exemplo, não seria possível por se tratar de um espaço público).

O segundo curso é lecionado por um monge budista, que assume uma postura secular, para nos conduzir a uma prática de autoquestionamento ou auto-indagação (livre tradução para self-inquiry). De teor mais filosófico, a bibliografia vai de Husserl a Bel Hooks, passando por Foucault, Judith Butler e Simone de Beauvoir. A intenção é que cada pessoa elabore/descubra sua própria definição de self, a partir do pensamento complexo dessas figuras emblemáticas. Mas, o mais interessante são os alunos, alunas e alunes. Pessoas muito jovens, em sua maioria, e que vivem sua sexualidade de forma livre e autêntica. Assim como em todos os outros cursos, cada ume diz o seu pronome de preferência ao se apresentar e tem seu lugar de fala respeitado nas discussões que são riquíssimas. Falamos sobre o texto, sobre os conceitos, sobre a teoria, mas sem o pudor de misturarmos a nossas experiências, à nossa complexidade e a nossa própria opinião. E isso nos leva ao terceiro exemplo: a liberdade.

Numa disciplina, ou melhor, numa jornada, horizontalmente conduzida por um professor brasileiro, temos a possibilidade de experimentar uma nova forma de pesquisar as relações entre a teologia, as artes e o meio ambiente. Uma aula que ultrapassa as paredes da sala de aula e nos leva a perceber a cidade, a natureza e o seres “mais-que-humanos” que a compõem, através de exercícios simplesmente transformadores. Incrível como precisei chegar a essa selva de pedra do mundo capitalista para poder reencontrar a minha conexão com essa essência natural e despertar para a urgência deste movimento. Uma questão real de sobrevivência individual e coletiva.

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Isso tudo para dar um gostinho das muitas novidades que vêm por aí, nesta coluna e no meu trabalho, com essa golfada de ar fresco (às vezes congelante, neste inverno) de uma forma diferente de ensinar e aprender do que vivi nas universidades brasileira e francesa. Não se trata de uma comparação e nem de estabelecer uma hierarquia qualitativa, mas de apontar possíveis complementariedades e, quem sabe, propor novas formatações a partir disso. Sigamos!

*Por razões éticas, prefiro não mencionar a identidade dos professores e da professora.