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Ressurreição e reencarnação

Ressurreição e reencarnação

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Luz Adriana Villa

A Ressurreição é uma crença associada ao pós-morte, é normalmente ligada à tradição cristã e, no entanto, está presente em diversas crenças no mundo que partilham a ideia de que existe outra vida após a morte. Existe diferença entre o conceito de ressurreição e reencarnação, apesar de ambas indicarem um retorno à existência, enquanto que na ressurreição a pessoa retorna com a mesma vida que possuía até a morte. Na reencarnação a pessoa retorna em outra existência, outra vivencia, até em outro plano, em outras palavras, em um novo ser.  Religiões como o Hinduísmo, Budismo e a Doutrina Espírita têm em sua base de prática a reencarnação, através da ideia de carma (ou karma).

A ressurreição nas diversas tradições religiosas

De forma geral, podemos perceber a ressurreição em muitas tradições religiosas que sustentam a crença no pós-morte. Na religião egípcia, em suas narrativas míticas, há a presença da ressurreição no relato do Deus Osíris, filho de Geb (Terra) e Nut (céu), que foi morto pela divindade Set e teve seu corpo dividido em várias partes pelo mundo. A Deusa Ísis encontrou suas partes e o fez retornar à vida.

Nas religiões nórdicas, o Deus Odin se sacrifica na árvore sagrada Yggdrasil em busca de iluminação pendurado e espetado com sua própria lança, mas ressurge após nove dias e nove noites.

O sacrifício de Odin. Imagem disponível em: oespelhonegro.com

No judaísmo podemos encontrar referências sutis ao ato de ressurgir em praticamente todo o Antigo Testamento como afirma F. E. Peters no livro Os monoteístas, existe a crença na ressurreição de várias maneiras, em I Samuel 2,6 aparece de forma simbólica na indicação de alguém que “subiu do Sheol”, o mundo dos mortos para os judeus, ou na forma de ressurreições temporárias, no caso de Eliseu e uma Sunamita: “Toma teu Filho”, com Elias e o filho da viúva em Sarepta: “Vá, teu filho vive” e também na passagem em II Reis 13,

21 com contato dos ossos de Eliseu: “Tanto que ele tocou os ossos de Eliseu, reviveu e se levantou sob seus pés”. O conceito de ressurreição que irá permear mais tarde o cristianismo aparece no livro II Macabeus 7, 23 “Mas o Criador do mundo, que formou o homem na sua origem e deu existência a todas as coisas, vos restituirá, em sua misericórdia, tanto o espírito como a vida, se agora fizerdes pouco caso de vós mesmos por amor às suas leis”.

Vale lembrar que mesmo com essas referências à ressurreição, os judeus tradicionais não acreditam na ressurreição de Jesus.

A crença na ressurreição de Jesus Cristo é o elemento principal do cristianismo. De acordo com F.E. Peters, havia entre a população a prática da deificação onde pessoas importantes como imperadores romanos e líderes de comunidades após morrerem, assumiam alguma característica sobrenatural ou se tornavam semi-deuses.

A disseminação da crença de que qualquer um podia ressuscitar e ter uma vida eterna “se acreditasse no único e verdadeiro Deus” foi inovadora, pois muitos ainda acreditavam que após a morte a alma ia para o mundo dos mortos. Mesmo entre os cristãos, havia algumas diferenças de concepção de como a ressurreição ocorreria, se seriam ressuscitados com o corpo e alma ou apenas a alma regressaria. Essa divergência aumentou até mesmo após o concílio de Nicéia, no início do século IV, e quando a religião se espalhou em todo território do antigo império romano.

A seguir, veremos algumas dessas diferenças de concepções de ressurreição cristã no pós-morte em algumas igrejas cristãs segundo o autor Leonildo Silveira Campos.

IGREJA CATÓLICA ROMANA: Na concepção geral da igreja católica, não há o retorno do corpo físico após a ressurreição. De acordo com Santo Agostinho na enciclopédia católica, após a ressurreição o corpo físico é alterado para um corpo espiritual, imperecível e glorioso a exemplo do próprio Jesus Cristo que ressuscitou com seu corpo e suas vestes, mas “não regressou a uma vida terrena”.

IGREJA LUTERANA: Os luteranos acreditam que no último dia, todos os mortos serão ressuscitados e suas almas retornarão ao mesmo corpo que possuíam antes de morrer, no entanto, o corpo dos injustos será alterado para um estado de eterna vergonha e atribulação enquanto que o corpo dos justos irá mudar para um estado de glória celeste.

IGREJAS EVANGÉLICAS: Para os evangélicos, a ressurreição irá acontecer tanto para os justos como para os injustos, a pessoa retornará em um corpo espiritual idêntico ao seu em vida para ser julgada por Jesus que trará bênção para os justos e punição para os ímpios.

IGREJA ANGLICANA: Os anglicanos acreditam que após a morte, entraremos em um estado “consciente e intermediário”. Esse estado é semelhante ao de estar dormindo e somente após ele que virá a ressurreição em um novo corpo, uma espécie de “vida após a vida após a morte”.

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IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA: Para os adventistas a alma não é imortal, os mortos estão em um estado de sono profundo até a ressurreição no dia do julgamento, caso tenha cumprido o seu papel em vida, receberá a graça da vida eterna, caso contrário, irá desaparecer.

TESTEMUNHAS DE JEOVÁ: Essa denominação cristã não acredita em uma ressurreição universal, ou seja, somente os escolhidos, os justos, irão ressuscitar no juízo final.

IGREJA DE JESUS CRISTO DOS SANTOS DOS ÚLTIMOS DIAS: Conhecidos também como Mórmons, a doutrina acredita que antes da ressurreição as almas dos mortos existem em um lugar denominado de “mundo espiritual”, semelhante à ideia de céu e inferno, porém eles acreditam que o espírito nesse lugar continuará com suas crenças, vontades desejos que possuíam antes da morte. A doutrina mórmon afirma também que não serão todos ressuscitados ao mesmo tempo, a primeira ressurreição virá para os justos e a última para os pecadores. A ressurreição irá reunir o espírito e o corpo em carne e osso, e os tornarão imaculados e imortais. Há também a crença na Translação, na qual algumas pessoas excepcionais serão removidas da terra sem experimentar a morte em um corpo purificado, porém também receberão a ressurreição.

Na religião islâmica, a ressurreição é experimentada através do que eles chamam de Man’and, que, segundo o Alcorão, é a continuação da existência em corpo e alma em várias etapas até o Yawm al-Qiyāmah, o dia da ressurreição ou também chamado de Yawm ad-Din, o dia do juízo final. A primeira etapa é a morte, na qual a alma do recém-falecido continua pairando sobre seu corpo até ocorrer a segunda etapa que é o sepultamento ou túmulo . Após o sepultamento a alma irá para o Barzakh, que em árabe significa “barreira” e impede a alma de retornar à vida terrena. Nas palavras de Nazaré Jacobucci, o Barzakh é concebido como um “reino espiritual” onde todas as almas irão e suas personalidades, tanto positivas e negativas serão manifestadas, pois estarão em um estado de existência parecido a um sonho até a ressurreição. A etapa seguinte é o Yawm ad-Din onde Alá irá avaliar o destino da humanidade  e conforme os atos e crenças em vida, as almas seguirão para o Akhira, o mundo da eternidade, em forma de “céu” se a alma foi justa, ou em forma de “inferno”, caso a alma tenha praticado desvios e pecados.


Referências

JACOBUCCI, Nazaré. O significado da morte e o processo de luto na visão do islamismo. 2016. Acessado em: 03 mar. 2019.
CAMPOS, Leonildo Silveira. Protestantes brasileiros diante da morte e do luto: observações sobre rituais mortuários. Revista REVER. Ano 16, n. 03, set/dez. 2016.
Os cristãos e os ritos funerários. 2016. Acessado em: 05 mar. 2019
Alcorão Sagrado. Versão PDF em português diretamente do árabe por Samir El Hayek. São Paulo: Tangará, 1994.
A Bíblia de Jerusalém. Tradução Euclides Martins Balancin et al. São Paulo: Paulinas, 1987.
PETERS, E. F. Os monoteístas: os povos de Deus: vol. 1. Tradução Jaime A. Clasen. São Paulo: Contexto, 2008.