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Felizes os pacificadores ou sobre a beligerância cristã

Felizes os pacificadores ou sobre a beligerância cristã

Pintura retrata a conquista de Jerusalém pelos cavaleiros cruzados (Foto: Reprodução)

Antes de iniciar propriamente o texto, gostaria de demarcar o lugar desde onde escrevo, como teólogo cristão, de formação católica, comprometido com as lutas dos povos afro-ameríndios. Esta demarcação é muito importante na contemporaneidade, sobretudo para situar o ponto desde onde vemos o mundo, para se evitar eventuais enganos.

A história da cristandade se assenta sobre a história da violência: em um primeiro momento, os cristãos foram as vítimas da violência do Império Romano. A partir do século IV, quando nos aliamos ao Império, passamos à figura de violentadores. Todos os cristãos? Não. Ainda bem que não. Deus não abandonou a Igreja e sempre houve na história mulheres e homens de tal modo comprometidos com a boa notícia trazida por Jesus que fizeram oposição a uma estrutura de poder violenta, contrária aos ideais de justiça e paz.

Mas muitos cristãos foram assimilados pelas estruturas de poder e caíram na tentação que Jesus recusara, conforme nos dizem os Evangelhos. O diabo ( palavra grega que significa aquele que divide) ofereceu a Jesus o poder sobre todos os impérios da terra e Jesus recusou. Contrariamente, após o século IV, com a assimilação do cristianismo por parte do Império Romano, não só se conformou com a estrutura opressora do poder, como também passou a desejá-lo mais e mais.

Tivemos, ao longo desses anos, vários exemplos de nossa violência: a perseguição aos hereges, as cruzadas, as inquisições, as guerras protestantes e católicas, a colonização, o apoio da Igreja a ditaduras e regimes facínoras. E não, não há justificativa. Não podemos dizer: ah, mas se fosse com a religião x ou y eles reagiriam e você estaria tentando justificá-los. Cada religião que se julgue. Fato é que, se se busca uma conformidade com as ideias de Jesus, não nos pertence empunhar a espada, assim como fez Pedro na cena da prisão de Jesus, nem mesmo com a intensão de defendê-lo. Os cristãos fazedores de guerra e violência devem causar certo constrangimento a Jesus, uma vez que este dissera que seus seguidores seriam reconhecidos pelo amor que teriam pelas pessoas.

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A mensagem do evangelho é de que os pacificadores seriam felizes por serem reconhecidos filhos de Deus e, até onde se sabe, não se faz a paz, o shalom conforme a cultura de Jesus, violentando indígenas, depredando terreiros das religiões afro, matando LGBTs ou lhes negando direitos civis igualitários, explorando os mais pobres para se afirmar um sistema econômico excludente, negando educação de qualidade às juventudes, dilapidando o sistema público de saúde em nome do lucro de empresas. Tudo isso que têm feito os ditos cristãos é qualquer coisa, menos cristianismo.

É tempo de dar passos. Jesus ordena a seus discípulos passar pelas cidades chamando as pessoas à conversão, palavra que, em língua grega significa mudar de mentalidade. É de fundamental importância sair desse lugar exclusivista, de donos da verdade, de arautos da moral e dos bons costumes para nos assemelhar àqueles que dizemos seguir. O seguimento de Jesus se dá no meio do povo, no meio de suas lutas, de seus anseios de libertação. Celebrar sua memória em torno da mesa não pode significar outra coisa senão fazer o que ele fez e, assim, sermos bem-aventurados.