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Interações entre jesuítas e indígenas na Amazônia colonial (século XVII)

Interações entre jesuítas e indígenas na Amazônia colonial (século XVII)

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Os membros da Companhia de Jesus foram enviados para evangelizar na África, Ásia, Europa e nas Américas. Foram espalhados pelo mundo inteiro com o desejo de “salvar almas” e em 1549 chegaram à Bahia (Brasil) sob o comando do padre Manuel da Nóbrega e depois veio o espanhol José de Anchieta. O rei de Portugal os enviou para catequizar os colonos ou moradores portugueses, assim como os povos indígenas. Começaram a visitar os moradores e se espalharam pelo território. Realizavam missas, ouviam as confissões, visitavam os doentes, catequizavam as crianças. Perceberam que faltava educação formal nestas terras e resolveram fundar colégios na Bahia, Pernambuco, São Paulo, Maranhão, Pará, Rio de Janeiro. Atenderam principalmente os mais ricos, mas também os pobres frequentavam os colégios dos jesuítas.

Com relação aos indígenas, os padres e irmãos (os jesuítas que não eram padres) visitavam as aldeias. Lá, eles passavam um tempo ensinando o catecismo (ensinamentos do catolicismo), diziam aos indígenas para abandonarem os seus costumes, faziam missas, batizavam e depois voltavam para suas residências nas cidades. Porém, os missionários perceberam que os indígenas não mudavam as suas culturas do jeito que gostariam. Ficaram insatisfeitos e chamavam os ameríndios de “bárbaros”, “inconstantes”, “gentios”, “preguiçosos” apenas por não fazerem o que eles desejassem.

Como, apenas as visitas às aldeias não deram o resultado esperado, os padres resolveram implantar as missões ou aldeamentos, ou seja, construir um lugar onde os indígenas viviam sob o governo dos missionários jesuítas e onde os ameríndios negociavam com padres para continuarem ou adaptarem certos costumes. As várias populações eram “descidas” das suas aldeias e passaram a viver em um lugar que havia igreja, onde conviviam com outros povos indígenas, sob o controle dos padres e onde trabalhariam para sustentar a todos. Este método fixava os povos em um único lugar, pois nas tradições indígenas era comum a mobilidade, isto é, mudavam de local o que atrapalhava o serviço dos sacerdotes. Com a aprendizagem do método de aldeamento ou missão os jesuítas foram para o norte do “Brasil”.

Demorou um pouco para os inacianos se estabeleceram definitivamente na Amazônia. É certo que no início do século XVII o padre Luís Figueira andou pela região amazônica e percebeu as possibilidades econômicas, bem como, a grande quantidade de “nações” (povos) indígenas. Ele foi à Portugal e foi instituída a missão no Estado do Maranhão e Grão-Pará  em 1639. Padre Luís Figueira foi o primeiro superior (líder) da missão, mas ao retornar de Lisboa em 1643 com outros companheiros a embarcação afundou nas ilhas do Marajó e alguns padres foram mortos pelo povo Aruã.

Apenas em 1653, sob o comando do padre Antônio Vieira, na missão do Maranhão, que os jesuítas se estabeleceram definitivamente. Vieira como superior fortaleceu e aumentou o número de missões em toda Amazônia. Sua administração foi marcada pela defesa da “liberdade” (não compreendida como a entendemos atualmente) dos indígenas e os conflitos com os colonos que queriam escravizar e explorar os indígenas. A principal força de trabalho foram os braços indígenas, pois eles que faziam as coletas das drogas do sertão (plantas usadas como temperos ou remédios que tinham um grande valor comercial, por exemplo, cravo, canela, baunilha, cacau, andiroba) eram os remadores e pilotos das canoas, construíam casas, embarcações, igrejas, fortes, fortalezas. Produziam a farinha e redes, coletavam o cacau, caçavam, pescavam e trabalhavam nas roças. Eram domésticas e amas de leite. Em uma simples palavra, faziam de tudo todos dependiam dos seus trabalhos e por isso os colonos os tratavam como escravos. Como o padre Antônio Vieira era um obstáculo para isso, os moradores de São Luís se revoltaram e expulsaram os jesuítas, e claro Vieira em 1661.

Uma missão ou aldeamento não se iniciava por acaso e nem de qualquer maneira. Os jesuítas chegavam e se aproximavam dos chefes indígenas que eles chamavam de “principais”. Faziam amizade e prometiam que se fossem viver com os padres receberiam terras e proteção para viverem longe dos colonos e de povos inimigos.  Os missionários ofereciam certos objetos como machados, facas, anzóis e cachaça. Alguns objetos ajudavam na vida dos indígenas, mas outros causavam problemas como o álcool. Em alguns casos os indígenas pediam para verificar se o local do futuro aldeamento era adequado para caça, pesca, plantio e só depois aceitavam. Em outras ocasiões, eles pediam para mudar o espaço da missão para mais próximo dos rios e florestas.

É importante compreender que nas missões, os indígenas estavam sob o controle dos padres, mas eles também faziam os missionários relativizarem as suas ações. Aprenderam, mas também ensinaram. Quem ensinava a pesca? A natação? Quem fabricava as canoas? Os remadores e pilotos? Os guias na floresta e rios? As redes? Quem sabia os remédios naturais? Certamente os indígenas. Como era a vida nos aldeamentos jesuíticos? Os padres ensinavam as crianças e alguns adultos a ler e escrever. Eles preferiam as crianças, pois acreditavam que seriam mais fáceis de converter ao catolicismo.

Tinha um grande problema que os filhos de Loyola tiveram que enfrentar para se comunicar com muitos povos: a língua. Eles tiveram que aprender e para facilitar aos missionários que ainda chegariam, escreveram gramáticas e dicionários das línguas, ou seja, com esses materiais aprendiam as línguas antes de chegar às missões na Amazônia. Alguns padres tinham facilidades e outras muitas dificuldades em aprender. Quando não dominavam uma língua, contavam com ajuda de algum nativo aldeado (que vivia nos aldeamentos) como intérprete para traduzir. Com o passar do tempo e para facilitar a comunicação utilizaram uma língua de origem Tupinambá chamada de Nheengatu (língua geral) que era falada em toda Amazônia e nas missões. Isso ajudou muito na comunicação com os vários povos.

Nas missões, os padres tentavam de toda forma mudar os costumes dos indígenas. Principalmente a poligamia, isto é, possuir várias mulheres. As casas eram construídas para viver apenas um homem e uma mulher com seus filhos. E agora? Os indígenas obedeciam? Podemos dizer que mais ou menos. Os ameríndios adotaram algumas práticas católicas e outras não. Outras vezes eles “misturaram” as suas culturas com os ensinamentos dos missionários criando uma nova cultura. Muito dessas culturas estão presentes nos caboclos e ribeirinhos da Amazônia, isto é, nos nossos bisavós e avós.  Umas das principais lutas dos padres foram contra os pajés (xamãs) que nas religiões indígenas é uma pessoa muito importante, pois cura doenças, adivinha o futuro e dá conselhos. Até hoje, entre os caboclos ou ribeirinhos, há quem procure ajuda com os pajés e também gente que mora nas cidades estão procurando não só a cura de doenças, mas também aprender com os xamãs. Esses líderes espirituais merecem nosso mais profundo respeito.

Os jesuítas chamavam os pajés (xamãs) de “feiticeiros” e diziam que eram movidos pelo demônio; por isso, proibiam de ter pajés nas missões e não era permitido aos ameríndios irem à busca deles. Os indígenas obedeceram? Obviamente que não, pois para eles era algo normal pedir ajuda aos pajés e aos padres. Ambos eram bem vistos pelos nativos e não viam problema em rezar o terço, ir à missa, fazer as orações e depois pedir bênçãos aos pajés.  Com o tempo, os xamãs incorporaram elementos do catolicismo em suas religiosidades, por exemplo, gestos, orações e aconteceram casos que os pajés faziam “missas” semelhantes aos dos jesuítas, pois acreditavam que isso ajudava a com bater o mal. Outras vezes, os religiosos eram percebidos como outros xamãs, pois repreendiam o mal, ofereciam remédios e “protegiam” os indígenas.

Em geral, os nativos preferiam viver em missões a ser explorados pelos colonos. Será que um ou dois jesuítas em uma missão conseguiam controlar cerca de 600 pessoas? Não. Por isso os padres contaram com ajuda dos próprios chefes (principais) indígenas que orientavam os jesuítas onde fazer roças, como organizar os trabalhos ou como punir quem havia desobedecido uma ordem.  Os índios visitavam o pajé a noite ou faziam suas danças fora da missão ou até dentro com o consentimento dos missionários.

A vida nos aldeamentos ou missões foi marcada pela religião e pelo trabalho. Os padres ensinavam o catecismo, faziam missas, batizavam, casavam os indígenas, ouviam as confissões, visitavam os doentes, realizavam procissões. Pela manhã havia missa na Igreja onde os indígenas eram obrigados a participar (caso contrário poderiam levar chicotadas), depois iam para os trabalhos comunitários: caça, pesca, plantações, produção de farinha, fabricação de telhas, vasos, canoas, armários etc. Ao meio-dia, o padre distribuía alimentos para o almoço, onde cada família preparava a sua comida. Após o almoço, os adultos voltavam para o trabalho e as crianças iam às escolas e também aprendiam cantos e a tocar certos instrumentos. À noite, após o banho, os indígenas voltavam à Igreja para fazer as orações. Claro que isso variou de missão para missão e em cada uma havia a casa dos jesuítas.

Portanto, no interior dos aldeamentos os indígenas tiveram papel fundamental e não apenas cumpriam o que os padres desejavam. Eles aprendiam diferente e do seu próprio jeito. Não abandonaram seus ritos e religiões, mas muitas vezes “misturavam” o que aprendiam dos jesuítas. Por vários motivos muitos fugiam dos aldeamentos e preferiam viver fora e sem o controle dos missionários. Outros se revoltaram e chegaram até matar sacerdotes e outros recusaram viver nos aldeamentos. O fato é, viver vários povos diferentes em uma mesma missão trouxe aspectos negativos: brigas, desorganização das sociedades indígenas e epidemias (disseminação de doenças que levaram muitos a morte). Os padres não respeitaram as culturas indígenas e tentaram a todo custo mudar, mas os indígenas resistiram ou se adaptaram ao mundo colonial e com muita luta conseguiram sobreviver apesar da colonização, exploração e escravidão. Eles vivem e crescem a cada ano. Saibamos respeitar e valorizar os povos indígenas.


Referências

ARENZ, Karl Heinz. Fazer sair da selva: as missões jesuítas na Amazônia. Belém: Estudos Amazônicos, 2012.
ARENZ, Karl Heinz; SILVA, Diogo Costa. “Levar a luz de nossa santa fé aos sertões de muita gentilidade”: fundação e consolidação da missão jesuíta na Amazônia portuguesa (século XVII). Belém: Editora Açaí, 2012.
COSTA, Dayseane Ferraz da; ARENZ, Karl Heinz (Orgs.). Patrimônio e História: os jesuítas na Amazônia. Belém: Paka-Tatu, 2015.
NASCIMENTO, Bruno Rafael Machado. Ad majorem Dei gloriam: missões jesuíticas setecentistas no Oiapoque e os usos de documentos históricos para ensino de História no Amapá. Rio de Janeiro: Autografia, 2018.