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Rubem Alves e Darcy Ribeiro: Utopia, Religião e Política

Rubem Alves e Darcy Ribeiro: Utopia, Religião e Política

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O Programa Diálogos Impertinentes (Tv PUC-SP) entrevistou dois importantes educadores brasileiros: Rubem Alves, psicanalista, escritor, teólogo, ex-pastor presbiteriano, e; Darcy Ribeiro, antropólogo, escritor, (à época) senador da república. O programa, com o tema A Utopia, foi gravado em 29 de agosto de 1995 e mediado pelo professor Mário Sérgio Cortella e pelo jornalista Caio Túlio Costa.

E o que interessa rememorar desse encontro que agora caminha para os 25 anos?

Exatamente o tema proposto e seus desdobramentos, como a religião e a política. A começar pela ideia de utopia. Como palavra grega, o “topos” (lugar) é ligado ao prefixo de negação e carrega o significado de um “não-lugar” ou “lugar-ideal”, lugar a ser construído. Muitos utilizam o termo utopia para descreverem um lugar perfeito que não se pode atingir ou que ainda não se alcançou. O termo foi carregado de significados no século XVI pelo filósofo Thomas More, que escreveu um livro em latim chamado “Um pequeno livro verdadeiramente dourado, não menos benéfico que entretedor, do melhor estado de uma república e da nova ilha Utopia”. O autor foi inspirado a partir de seu encontro com um navegador português, chamado Rafael Hitlodeu, que trazia consigo narrativas extraordinárias de suas viagens no litoral da América.

Rubem Alves e Darcy Ribeiro protagonizaram uma noite de reflexões importantes e que ajudam, inclusive, a pensar o Brasil de hoje, com sua conjuntura tão complexa.

Repensar Rubem Alves, falecido em julho de 2014, tem sido uma tarefa constante entre pesquisadores de diferentes áreas. Inclusive, o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UFJF, em parceria com a UFS, acaba de promover o Simpósio “Repensando o Sagrado”, com o tema “Rubem Alves e a Teologia da Libertação”, onde se falou de sua contribuição para a teoria da religião. O evento, de porte internacional, contou com a presença de palestrantes dos EUA, do México, além de nomes brasileiros já (re)conhecidos, como Leonardo Boff, Zwinglio Mota Dias, dentre outros.

Rubem Alves foi o autor da tese A Theology of Human Hope, lançada no Brasil como Da Esperança, posteriormente conhecida como Teologia da Libertação, já havia vivenciado estruturas sócio-políticas densas enquanto líder religioso no movimento ecumênico. No documentário O Sonho Ecumênico, produzido pela Faculdade Unida de Vitória, Rubem Alves afirmou: “Nós éramos revolucionários. Nós queríamos transformar o mundo”. Segundo este educador, seu universo era dividido em três fases. A primeira, onde o discurso era do tamanho do universo para se falar e pensar acerca de Deus. Após a “morte de Deus”, a segunda fase: onde os heróis políticos substituíram a teologia. Depois do fracasso da política, a terceira fase: o quintal de casa para jogar peão. No Programa Diálogos Impertinentes, Rubem já dizia sobre esse encurtar dos mundos reconhecendo que suas utopias “são muito modestas”.

Rubem fazia parte de um movimento ecumênico na época da ditadura e disse que a esperança deste grupo não era mais de evangelizar (no sentido de “salvar almas”), mas de transformar o mundo. O tempo passou e suas esperanças de “mudar o mundo” desapareceram. E sua obra acerca da Esperança se limitava ao tempo da esperança: “sonhei, tive esperança, pensando que eu e a igreja e meus companheiros… pudéssemos ter um mundo diferente. Não deu certo. Nós sofremos e estamos de mãos vazias”. E cita o poeta alemão Rainer Maria von Rilke: “Quem foi que assim nos fascinou para que tivesse um olhar de despedida em tudo o que fazemos?”.

Para Rubem, a utopia verdadeira e absoluta é perigosa. Vindo de tradição calvinista, alertou: “Calvino era um homem terrível porque tinha utopia. Por causa de sua utopia, queimou Miguel Serveto”. Destacou ainda que aquele que prega uma utopia dessas (absolutas) cria mecanismos cruéis contra os que são contrários. E manifesta sua inquietação: “Deus não é democrático. A trindade não é democrática. Só existe democracia numa sociedade onde Deus morreu”. Em sua reflexão, acredita que a democracia acontece onde não há um padrão absoluto e, por isso, é necessário fazer acordos para mudanças constantes, uma vez que o espírito democrático é um processo de reformulação de valores.

A saída que propôs nas últimas décadas de sua vida foi a literatura, uma forma de seduzir as pessoas para as visões. A verdadeira política deveria ser, em sua concepção, baseada na beleza. A grande revolução, pela estética da beleza, da alegria, como ocorrido no movimento Diretas Já.

Por outro lado, Darcy Ribeiro declarou – no Programa – ser utópico “por todos os lados”. E continuou: “[…] quem tem um país para fazer deste tamanho […] se não prefigurar na cabeça o que vai ser, se não inventar o país que há de ser, o país nunca vai dar certo. Nós já temos séculos de erros e absurdos porque já pensaram o país contra nós”. E ressalta o fato de que Thomas More não viu, mas leu sobre um lugar que não existia na Europa do séc. XVI. Daí, cria na literatura um lugar que não havia (mas havia!?).

Darcy, além de vice-governador do Rio de Janeiro (1982-1986) ao lado de Leonel Brizola e senador (1991-1997) até seu falecimento (fevereiro de 1997), esteve em frentes importantes da esfera política brasileira, sobretudo em reformas educacionais. Após seu exílio no Uruguai, por causa da ditadura no Brasil, envolveu-se com a criação dos CIEP’s, buscando os estudos formais com atividades culturais, e na elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Foi um dos fundadores da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). Produziu muitos romances e outras obras na área da antropologia, sociologia e educação. Diante deste currículo, temos a razão de sua resposta sobre utopia.

Em relação à religião, há um dado curioso em sua trajetória. Propôs um Instituto de Teologia Católica dentro da UnB. Segundo Darcy, “seria um ato revolucionário, porque a teologia, expulsa das universidades públicas desde a Revolução Francesa, a elas voltariam, justamente na mais moderna universidade que se estava criando naqueles anos”. E conclui: “Houve reações adversas à minha iniciativa, inclusive a de um eminente cientista, que me acusava de trair a tradição laicista da educação”.

O que ocorreu é que o curso de Filosofia da Religião, desde 2004, tem tido grande êxito no programa de pós-graduação da UnB. Em 2011, a coordenação deu o seguinte parecer: “A religião está retomando um papel histórico, que parecia ter se perdido até a década de 60 do século passado. No início do século XX, não havia espaço para discutir religião – os grandes temas eram a política e a ética”.

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Hoje, como considerar o tema da política e da ética sem tocarmos na religião?

No término da entrevista, Rubem Alves dizia que os evangélicos dominariam o país em 20 anos. Os 20 anos se passaram. O que presenciamos não são os evangélicos dominando numericamente a nação (ainda), todavia, não se pode desconsiderar o fato de que ocupam um espaço de influência no poder político jamais visto na história do país.

Sobre o declínio da igreja católica, explicou Darcy: “Uma das coisas mais importantes é a expansão dos cultos evangélicos”, pois “a igreja católica passou a proibir as coisas do povo [as festas populares], por isso começou a perder espaço”. Em sua percepção, a história natural de um operário comum em sua época era beber e espancar a mulher no final de semana. E a igreja evangélica busca construir virtudes no indivíduo a fim de que comportamentos como estes sejam convertidos. Neste sentido, Rubem entende que as igrejas, sobretudo as pentecostais, respondem às necessidades mais concretas da sociedade com seu discurso, mas mesmo assim, não resolvem seus problemas. Apenas ajudam a tornar as pessoas mais capitalistas.

Em meio às reflexões – que já passaram de duas décadas – de tais educadores, o cenário nacional amplia a discussão acerca da participação da religião na política e da política na religião. Definitivamente, inseparáveis! Rubem Alves e Darcy Ribeiro são peças importantes para a discussão dessa (não)utopia para o Brasil. Por um lado, uma busca pelos sentidos e a beleza na literatura, por outro, o engajamento político mais determinado. Assim, temos um cenário onde a divindade ainda é o fator legitimador de grande parte da direita e de movimentos de esquerda. Leonardo Boff, no Simpósio supracitado, provocou ao dizer que o ser humano deveria fazer tudo como se Deus não existisse. Ligada a essa frase, talvez a expressão de Darcy nos ajude a terminar a resenha: “O sobrenatural é natural, falta compreendê-lo”.


Referências

Diálogos Impertinentes: A Utopia. Entrevistados: Rubem Alves e Darcy Ribeiro. 
Documentário O Sonho Ecumênico.