Eis que a fumaça da Ciência Mestra traz até você uma possibilidade de conferir e aprofundar-se no universo da tradição da Jurema Sagrada. Artigos de autores e autoras das mais diversas áreas e níveis acadêmicos, esta edição oferece um amplo debate sobre essa religião de matriz indígena do Nordeste brasileiro.
Tão desconhecida, desprezada pela academia, vítima de racismo epistemológico e resiliente perante o cruel processo colonizador judaico cristão, a Jurema mantem-se viva, vibrante, interessante, profunda e com forte presença no debate político das religiões de matrizes africanas e indígenas. Nas vindouras páginas, o(a) leitor(a) poderá beber o vinho sagrado das entrecascas da santa árvore, através de reflexões aprofundadas e material histórico denso, com a leve condição de uma leitura que o envolverá e o conduzirá até os portais sagrados das Cidades Encantadas, para que os Saberes Mestres da tradição desse povo, possam ser contemplados e, quem sabe, entendidos.
Encantamento é uma palavra pertinente quando se trata da Jurema. Uma religião que em si carrega o contra discurso hegemônico moralista de nossa sociedade racista, machista, LGBTTIfóbica, classista e todos os demais “istas”, merece atenção, uma vez que os textos disponibilizados têm a missão de servir para o crescimento de interesse de pesquisadorxs nesse campo tão vasto e belo, contudo carente de mais debruçamento em pesquisas. É fato que existe pouco material escrito sobre essa religião, e essa edição da Senso vem para dar mais uma contribuição na tentativa de suprir essa lacuna que é a falta de textos qualificados na internet sobre o tema.
Ao meu convite, importantes intelectuais, professorxs, ativistas sociais/culturais e juremeirxs se disponibilizaram para escrever artigos que contam suas trajetórias de pesquisa, suas análises críticas, suas vivências na tradição oral e suas visões perante todo o debate contemporâneo no campo das ciências da religião, antropologia, sociologia, história, etc. Aqui, haverá muitos textos de teses em andamento, estudos inconclusos e outros nascendo para o campo da pesquisa, sendo assim fundamental observar com atenção as metodologias de cada autor(a), pois elas têm muito o que nos ensinar.
A contribuição que damos com este feito vai para além do conhecimento etnográfico da Jurema, oferecemos aqui uma possibilidade de voar alto, de conhecer linguagens e estilos acadêmicos diversos, acessar pesquisas que desembocam em importantes apontamentos bibliográficos sobre o tema, dispondo aos leitores e leitoras um saborear do peso da mundrungagem do catimbó, que vai para além da tradicional visão da religião como antropologicamente mágica, e sim como uma religião politicamente viva, decolonial pela própria natureza e cheia de elementos culturais que formam sua cosmovisão juremológica.
Nada aqui é concluso. Compreendendo que assim como a espiritualidade e os saberes dxs catimbozeirxs são infinitos, abrimos as portas para que o Reis das Matas e das Cidades, possa vos guiar pelas “veredas de caminhos”.
Boa leitura de fumaça.
Alexandre L'Omi L'Odò, é historiador, mestre em ciências da religião, sacerdote juremeiro e do candomblé. Defendeu na UNICAP, em 2017, a Juremologia como elemento epistemológico na produção do saber para os estudos em torno da Jurema Sagrada. Um dos fundadores do Quilombo Cultural Malunguinho, movimento de defesa do patrimônio cultural do povo da Jurema, realiza, há 14 anos, o Kipupa Malunguinho – coco na mata do Catucá, evento/celebração que reuniu em sua última edição, cerca de 10 mil juremeiros(as).