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Vinho e Religião: Interfaces Simbólicas

Vinho e Religião: Interfaces Simbólicas

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Este artigo apresenta as interfaces simbólicas entre história, vinho e religião. Embora a vitivinicultura apareça como tema recorrente em diversas áreas do conhecimento de países europeus, no Brasil as pesquisas ainda são incipientes. Nas últimas décadas, o crescimento da produção e consumo de uvas e vinhos vêm conferindo especial importância ao setor vitivinícola. Notando o dinamismo deste setor e suas implicações socioambientais e simbólicas, este artigo pretende compreender os processos históricos da

Nos processos de migração, domesticação e disseminação de espécies, as videiras (plantas trepadeiras do gênero Vitis) e os seres humanos modernos (Homo sapiens sapiens) são exemplos da interação ocorrida entre seres vivos. O vinho, bebida produzida a partir da fermentação das uvas, provavelmente surgiu há cerca de 7 mil anos na região do Cáucaso, na Ásia Menor. Através das migrações e trocas comerciais entre os povos, o vinho ganhou destaque em culturas como o Antigo Egito, Fenícia, Grécia e Roma, chegando até nós, sobretudo, através da importância da bebida na mitologia judaico-cristã (JONHSON, 2001, p. 51). 

Entre os principais símbolos das sociedades que surgiram ao redor do Mediterrâneo se encontram as videiras e os vinhos. A compreensão do simbolismo do vinho é essencial para compreendermos as relações metafóricas entre este símbolo e as sociedades. Precisamos considerar, por exemplo, que o consumo simbólico de vinho na eucaristia cristã tem papel fundamental na distribuição da viticultura em todas as partes do mundo, o que ampliou a importância social e ideológica do vinho. Não podemos, entretanto, atribuir somente à influência da Igreja a proliferação dos vinhedos pelas Américas. O vinho fez parte do cotidiano das comunidades europeias por séculos, dessa forma, é lógico pensar que, no período da conquista, o vinho seguiu na esteira dos europeus. A rapidez com que o cultivo da videira se espalhou pelas Américas é um bom testemunho da importância que o vinho teve para os conquistadores (NODARI & FRANK, 2019, p. 185-186).

O vinho é uma bebida milenar, e, sendo assim, também está associado as grandes religiões. De toda a Bíblia, apenas o Livro de Jonas não faz menção ao vinho. No islamismo, os seguidores de Moisés acreditam que a primeira visão do que seria a “Terra Prometida” foi um cacho de uvas. A relação da religião com o vinho é tão profunda que existem autores que a classificam como um identificador de ocidentalização das sociedades. Veremos, a seguir, qual a importância simbólica do vinho para três grandes crenças religiosas: Catolicismo, Judaísmo e Islamismo.

Catolicismo

No catolicismo, o vinho está intimamente ligado a Jesus. Além da lendária transformação da água em vinho, o acontecimento mais marcante de Cristo com a bebida foi durante a Última Ceia. Em sua última refeição, depois de ter comido um pedaço de pão, Jesus tomou um cálice de vinho, levantou e disse aos apóstolos: “Este é o meu sangue, o sangue da vida que será derramado por vós”. Daí nasceu a Eucaristia, o momento mais importante da missa. Para a celebração, é necessário um vinho especial, especificado pelo Concílio de Trento. Segundo essas leis, ele deve ser natural e genuíno, sem a mistura de substâncias estranhas. Geralmente o vinho usado nas missas é de alto teor alcoólico por não ser guardado em local refrigerado e também para mantê-lo íntegro por mais tempo, uma vez que é consumido aos poucos.

Judaísmo

Tão importante quanto no catolicismo, o vinho na religião judaica apresenta um sentido completamente diferente. Os judeus não aceitam a imagem de Jesus como o “filho de Deus”, e por isso toda a relação entre ele e a bebida perde seu significado. Após descer da arca, Noé plantou uma videira para celebrar a vida, e desde então, o vinho simboliza a alegria.  Para os judeus, a bebida é uma forma de benção. O vinho é consumido em diversas ocasiões. Na Páscoa, devem ser tomados quatro cálices de vinho; nos casamentos, dois; e nas circuncisões, um cálice. O início do Sabbath (depois do pôr-do-sol da sexta feira) é marcado por uma taça de vinho, assim como na cerimônia de Kidush (benção recitada sobre o vinho para santificar o Sabbath ou outra festa judaica) e na Havdalah, que assinala o final do Sabbath. Os vinhos e demais alimentos consumidos pelos judeus, especialmente pelos mais ortodoxos, têm que ser kosher. Para um vinho ter certificado de “bebida kosher” (kosher que dizer apropriado em hebraico), é necessário que os critérios de produção sejam obedecidos. Não é permitido que sejam usados frutos nos três primeiros anos de plantio. Apenas a partir do quatro é que eles estarão aptos a produzir um vinho “puro”. A cada sete anos, o vinhedo precisa de um ano de descanso. Além disso, desde o momento em que as uvas são prensadas até o engarrafamento do vinho, o caldo não pode ser tocado por ninguém que não seja judeu. Todas as substancias utilizadas na fabricação da bebida também devem ser kosher e o processo todo é acompanhado por um rabino, a fim de garantir que as leis sejam cumpridas.

Islamismo

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Por conta das Leis Islâmicas, o consumo de vinho e de qualquer outra bebida alcoólica é proibido. No entanto, alguns vinhos com certificado Halal (cujo significado é “permitido”), podem entrar no país e serem consumidos pela população muçulmana. O certificado garante que todos os ingredientes do produto são permitidos pela Sharia, ou seja, nestes vinhos, não há presença de álcool.

Para além das questões religiosas, devemos notar que no século XX o vinho tornou-se uma commodity de estratégica relevância econômica e social. Este interesse é justificado por sua milenar importância simbólica e cultural, bem como, notadamente, seu alto valor agregado. Para muitas culturas, o vinho é considerado um alimento. Além disso, pesquisas têm demonstrado aspectos positivos do consumo moderado do vinho para a saúde, relacionando a bebida com a prevenção de doenças, a longevidade e uma melhor qualidade de vida (GUILFORD & PEZZUTO, 2011, p. 471).


Referências

GUILFORD, Jacquelyn M.; PEZZUTO, John M. Wine and Health: A Review. American Journal of Enology and Viticulture, n. 62, vol. 04, p. 471-486, dez. 2011.
JOHNSON, Hug. A história do vinho. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
NODARI, Eunice Sueli; FRANK, Zephyr. Vinhos de Altitude no Estado de Santa Catarina: a firmação de uma identidade. Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 11, n. 26, p. 183 – 200, jan./abr. 2019.
Simbólico no catolicismo, o vinho está presente nas três religiões abraâmicas. Revista Adega, 12 mar. 2013.