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Sabe que às vezes eu acendo velas só pra ver queimar

Sabe que às vezes eu acendo velas só pra ver queimar

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Sabe que às vezes eu acendo velas só pra ver queimar.

Tem coisa que a gente faz que nem sabe que tem motivo, e tem.

Deve de ter.

Eu toda noite sonho com uma coisinha ou outra,

um sinal, uma mensagenzinha do céu.

Geralmente eu sei das coisas antes de acontecer.

Estudei alguns anos sobre as propriedades das ervas, das pedras, das águas, do fogo. Aprendi a montar altar e oferenda.

Aprendi rezar e conduzir a roda.

Aprendi a ver.

E ainda sinto às vezes que não aprendi nada.

Às vezes eu reclamo de tudo como se não fosse escolha minha,

como se ninguém olhasse por mim.

Não tomo um banho de erva, não rezo, me isolo.

E de repente cai o teto na minha cabeça,

a vida queima meus navios, queima minhas vilas, vida se torna um fardo.

Tudo pesa, tudo queima.

Cuidar da espiritualidade é algo que eu aprendi que é construído.

Dentro da minha crença é necessário aprender certos fundamentos

pra poder desenvolver sua própria forma de cultuar,

afim de não tornar isso um fardo.

Eu sei o que fazer geralmente e se não faço ou é tristeza ou é dureza minha.

Nem tudo são flores, eu não sou exemplo.

Há bruxas melhores.

E eu converso disso com as entidades,

reclamo da minha displicência,

da minha falta de qualquer coisa,

desse branco que me dá.

Eu rezo às vezes mais pra tentar entender do que pra pedir as coisas.

Às vezes, confesso, eu pulo a reza pra ficar sentindo esse cansaço bobo do mundo como se minha alma não deitasse pra dormir nas mãos de Oyá.

É escolha.

Escolher certo nem sempre é possível,

às vezes a gente multiplica o sofrimento só pra sentir diferente,

só pela quebra do marasmo,

só porque é mais fácil esperar que a direção venha explícita, gritada.

Queremos sinais,

mas queremos sinais claros,

uma faixa 15×30 na porta de casa dizendo o que fazer.

Mas quase sempre a resposta tá na bendita vela que eu acendo à toa.

O fogo é um oráculo.

E se a chama da vela que reza conversa direto com o santo,

ela geralmente diz “minha filha, cê nasceu bruxa, olha pra cima.

Por que é que ainda teima em ter medo de fogo?”.