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Nossos passos vêm de longe. Nossa resistência também!

Nossos passos vêm de longe. Nossa resistência também!

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Cotidianamente vejo e ouço pessoas expressando desânimo. Desalento pelas perdas, crimes, tragédias e ausências de perspectivas nesta triste conjuntura. Vivemos a abertura democrática no Brasil e confiamos nos direitos e garantias fundamentais asseguradas na Constituição de 1988. Sob a premissa da igualdade, buscamos o fim da discriminação de gênero, raça/etnia, origem, religião, orientação sexual ou outra distinção de qualquer natureza. O que não contávamos é que as reações às nossas conquistas colocariam em risco a jovem Democracia, e nos trariam riscos também.

O assassinato de Marielle Franco é uma representação brutal do ódio às mulheres, negras, lésbicas e periféricas que ousam denunciar que a desigualdade está no cerne da sociedade brasileira. Marielle tornou-se a vítima emblemática de um sistema corrupto e violento. Morreu por tudo que era e pela sua capacidade de representar, em seu corpo e falas, as vozes ceifadas de tantos de nós. Esta mulher fenomenal encarnava no tempo atual as lutas que lhe precedem. E o tiro que interrompeu brutalmente a sua vida também espalhou as sementes que perpetuarão a sua existência. Somos sementes resistentes de uma árvore-memória, inquebrantável.

Nas eleições de 2018, mais deputadas foram eleitas para as Assembleias Legislativas e Câmara Federal. Dentre elas, mais negras, feministas, antirracistas, lésbicas, trans e defensoras aguerridas dos direitos do povo. Mulheres contra privilégios, contra (de)reformas trabalhistas e previdenciárias, contra a flexibilização do porte de arma, privatizações irrestritas, contra o avanço do conservadorismo e os ataques da extrema-direita. Marielle se faz presente em tantas outras mulheres. Antes eu me reconhecia nela, agora reconheço mais dela em mim.

Conhecemos bem a luta pela vida e pela dignidade. Somos descendentes de mulheres e homens que lutaram pelo fim da escravidão. Herdeiras de uma força ancestral que gestam o futuro das próximas gerações. Muito do que hoje sentimos como retrocesso ainda é muito mais do que vislumbravam aqueles que nos precederam. Desejam ser livres, antes de saberem que a justiça social é o embrião da liberdade. Os sonhos do passado tornam-se legados para o horizonte.

Sinto que ainda carregamos nossos grilhões e precisamos resistir contra a ira dos Senhores que louvam a propriedade, a família (deles) e Deus (à imagem e semelhança deles também). Querem restringir a política às suas convicções e isso coloca a sociedade em grande risco. Só conseguiremos enfrentar os sérios problemas que temos se assumirmos práticas de vida comunitárias, com respeito às diversidades e comprometidas com o bem comum.

Considerando que nossas práticas expressam nossa consciência coletiva, insisto que precisamos desbancar a pretensão dos “semideuses” da politicagem habitual com a sabedoria das pessoas comuns. Através do meu trabalho como assessora parlamentar, percebo que a proximidade honesta com as pessoas e o interesse pela realidade cotidiana da população menos favorecida é o que permite o melhor exercício da representatividade em um cargo público.

Esta sabedoria é uma conquista de quem se reconhece no mundo como parte de algo que lhe transcende e assim constrói um mundo que não é estreito para ninguém. Está para além da religião, reflete cultura e tradição. Exige um alargar de sentidos e efetiva responsabilidade com o sagrado, com a natureza e com as pessoas. Precisamos assim contagiar a política.

Pelo conhecimento dos que me precedem, tenho forças para seguir adiante. O desânimo não cabe, temos o compromisso de resistir e ainda viver melhor!