Sobre o atentado à mesquita na Nova Zelândia
“Ó vós que credes! Quando se chama à oração da Sexta-feira, ide, depressa, para a lembrança de Allah, e deixai a venda. Isto vos é melhor. Se soubésseis!” (Alcorão Sagrado Surata 62:9)
Sexta-feira, 15 de março de 2019. Reunidos em um espaço dedicado a oração e a adoração ao Deus Único e Uno1Segundo a Teologia Islâmica Deus (Allah, em árabe) é Único e Uno, diferente da Teologia cristã que compreende Deus como Único e Trino., centenas de pessoas voltavam seus rostos em direção à Meca. Enquanto os corpos performavam a oração de sexta-feira, o tempo Kairós era brutalmente cortado pelas mãos de um terrorista. O tempo sagrado (ELÍADE, 1992) era assim, profanado pelo ódio daquele(s) que separam eles de nós.
As perguntas sobre os motivos e quem teria feito tal ato aparentemente teria respostas nas 74 páginas de um manifesto publicado na WEB por um dos responsáveis pelo ataque: um australiano2Seguindo o exemplo da Primeira Ministra da Nova Zelândia, Jacinda Arden, o nome do autor dos atentados terrorista não será mencionado. Ver: <www.bbc.com/portuguese/internacional-47628043> Acesso em 19 de março de 2019. de 28 anos que se auto identifica como branco e europeu, racista e fascista. Não apenas os motivos, mas as nomeações que o responsável pelo ataque terrorista faz sobre si mesmo, revela-nos aspectos importantes de sua auto identidade, e também de um retorno – ou talvez de um reavivamento – de ideologias racistas e excludentes. O ataque, segundo ele, seria um ato anti-imigração, anti-etnia e anti-cultural.
Mas, para além do que foi dito no manifesto, o ataque as Mesquitas Lindwood e Masjid Al Noor que vitimou dezenas de pessoas, é mais um evento que se alimenta e organiza de fatos ligados, também, a política internacional que podem ser vistos nos intermináveis conflitos em regiões como as do Oriente Médio, que levam a cada ano milhares de pessoas a deslocamentos forçados, até a instabilidade econômica de países como na América Latina, que tem mudado drasticamente os espaços geográficos. As instabilidades provocadas pelas dinâmicas sociais, trazem à tona o ódio, a intolerância, o terror.
Um outro elemento deve ser levado em conta nessa reflexão: a visão construída sobre o Oriente Médio e especialmente sobre os muçulmanos. Para Edward Said (2007) o Oriente é uma invenção do Ocidente, uma invenção que separa eles de nós em nomeações e adjetivos que os inferiorizam e os discriminam. A partir dessas construções, o ódio aos de origem árabe se espalha sobre os seguidores de uma das maiores religiões do mundo: o Islam. Um ódio infundado desde a ideia de que todo muçulmano é árabe até a de que o Islam é uma religião que prega a violência e a intolerância.
Nesse sentido urge a conscientização sobre eles e sobre nós: Quem são eles? Quem somos nós? Será que de fato, existe algo que nos separa a ponto de alimentarmos ideias de intolerância e medo para com eles? Seria a busca pelo diálogo inter-religioso um dos mecanismos de combate a tais pensamentos? Como a educação poderia contribuir nessa luta contra intolerância e o preconceito?
Essas são algumas das muitas perguntas que nos surgem ao olhar a conjuntura atual e os fatos que surgem dessa. Não podemos achar normal o retorno de nomeações como a de fascista. Nãos podemos achar natural o crescimento da xenofobia. Não podemos tolerar o crescimento da islamofobia. E não podemos porque concordar com tais ações é contribuir para o crescimento daquilo que nos separa, nos mata.
Imam Ali, o genro do Profeta do Islam – o Profeta Mohammad – dizia que ou somos irmãos na fé, ou somos parentes na criação (humanidade). E é clamando por essa fraternidade que devemos levantar nossas vozes na denúncia contra toda forma de discriminação e ódio; na construção, através da educação, de uma cultura de paz; da busca constante de uma aproximação que nos leve ao conhecimento, ao diálogo, ao outro. O tempo kronos caminha em passos rápidos, tensos, pesados. Mas, o Kairós ainda continua vivo, convidando-nos ao retorno a uma humanidade que vê no rosto do outro o vestígio de Deus (LÉVINAS, 2002).
Referências
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes Editora, 1992.
LÉVINAS, Emmanuel. De Deus que vem à ideia. Trad. Pergentino Stefano Pivatto. Petrópolis: Vozes, 2002. p.85-114.
SAID, Edward. Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente. Trad. Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Notas
- 1Segundo a Teologia Islâmica Deus (Allah, em árabe) é Único e Uno, diferente da Teologia cristã que compreende Deus como Único e Trino.
- 2Seguindo o exemplo da Primeira Ministra da Nova Zelândia, Jacinda Arden, o nome do autor dos atentados terrorista não será mencionado. Ver: <www.bbc.com/portuguese/internacional-47628043> Acesso em 19 de março de 2019.
Patrícia Padro é Pós-doutoranda em Ensino - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais sob a supervisão prof. Dr. Amauri Carlos Ferreira (2018). Doutora em Relações Internacionais - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais com doutorado sanduíche no Líbano sob a supervisão prof. Dr. Joseph Alagha na Haigazian University (2018). Mestra em Ciências da Religião - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2013). Especialista em Ciências da Religião - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2010). Licenciada em Pedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais (2008). Bacharel em Teologia pelo Seminário Batista do Estado de Minas Gerais (2001). Atuou como professora de Cultura Religiosa na PUC Minas. Atualmente é professora no ISTA - Instituto São Tomás de Aquino. Líder do RELIGERI - Grupo de Pesquisa Religião e Relações Internacionais (R.I.), Pesquisadora do GRACIAS - Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e árabes - Universidade de São Paulo; GEOMM - Grupo de Estudos Oriente Médio e Magreb- PUC Minas e GPREPLUDI - Grupo de Pesquisa Religião, Pluralismo e Diálogo Inter-religioso - PUC Minas, . Membro da ABRI - Associação Brasileira de Relações Internacionais. Principais temas de atuação: Religião, Islã, Xiismo, Ashura, Martírio , Pedagogia do Martírio, Educação, Resistência, Resistência Islâmica (Hezbollah) , Identidade, Fundamentalismo Religioso, Terrorismo, Diálogo inter-religioso, Ecumenismo. ID ORCID/0000-0003-4253-6121 Contato: ppsprado@hotmail.com