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Lobo em pele de cordeiro

Lobo em pele de cordeiro

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Como candidatos populistas se tornam opressores tiranos; uma análise dos discurso políticos atuais através do filme O Grande Ditador de Chaplin

O Grande Ditador é um filme de 1940, fruto crítico das observâncias de Charles Chaplin que além de atuar, também o dirigiu, produziu e o roteirizou. A película veio a se tornar a sua grande Obra prima e esteve envolvida em grandes polêmicas, estas responsáveis inclusive por seu exílio em 1950, acusado de “atividades anti-americanas” fomentadas principalmente por J. Edgar Hoover, um conservador obcecado pelo comunismo e responsável por manter extensos arquivos secretos sobre a vida de Chaplin.

No contexto da Segunda Guerra Mundial, sob a ode do então ditador Adolf Hitler, Chaplin, consciente e visionário do que poderia gerar, lançou esse filme cujo conteúdo era extremamente crítico à política nefasta e aos discursos religiosos que validavam um mal camuflado de bem e que se fortalecia no período, sendo este também seu primeiro filme falado e considerado pela crítica como o melhor de toda sua carreira.

Na época do terror, da tortura, do caos e da morte, O Grande Ditador, veio para satirizar o governo que se tornava religião e modo de vida, fomentando a crença das pessoas naquele tipo de política, como a única possível. No filme, Hitler era retratado como Hevnkel, uma personalidade caricata, atormentada pelo poder e que o usava como arma para validar suas loucuras e aspirações infantilmente perturbadoras. Na trama, que se inicia em 1918, por ocasião da Primeira Grande Guerra um soldado alemão de ascendência judaica salva um aviador e, durante o resgate, sofre um acidente que o mantém em amnésia por 20 anos. Quando retorna do hospital, sem sua memória ainda recuperada, encontra uma realidade dominada por um regime ditatorial que prega a segregação dos judeus, levando o espectador a refletir sobre a fragilidade do presente e de como um imaginário coletivo pode se enraizar numa mentalidade cruel que se opõem a tudo que nós humanos almejamos, como a paz.

Na icônica cena final da película, o Grande Ditador é substituído pelo ex soldado alemão judeu, que disfarçado de Hynkel faz um discurso acalorado em prol da liberdade e igualdade entre os povos, consagrando um dos mais belos discursos que o cinema tem em sua história.

“[…] O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens… levantou no mundo as muralhas do ódio… e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido. […] Soldados! Não vos entregueis a esses brutais… que vos desprezam… que vos escravizam… que arregimentam as vossas vidas… que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar… os que não se fazem amar e os inumanos! […] É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!”

A maior força nesse discurso, portanto, está em devolver ao povo a capacidade de duvidar dos mitos que esbravejam suas promessas de salvação e glória eterna. Expondo ditadores patéticos ao escárnio, a piada e ao riso. O filme é uma alusão direta ao governo de Hitler que contou com o apoio da população que abraçaram suas ideologias segregacionárias. O principal motivo para isso, no entanto foi o medo, a miséria e a fome, parte de uma política antecessora ruim que causou crises econômicas, militares e sociais, consideradas pelo historiador Ian Kershaw como o “tempo ideal de espera para se cultivar tiranos”, onde as circunstâncias mudam para pior, e auxiliam as pessoas, que revoltadas e com ira se desesperam o suficiente, para apoiar loucos que nunca atrairiam uma multidão em circunstâncias normais.

Hitler manteve uma agitação ininterrupta pelo poder, viajando constantemente, fazendo discursos por toda a Alemanha, e incitando uma devoção e fé, nos mesmos parâmetros já vistos pelas grandes religiões, aos seus “inimigos”, cultivando uma adoração a destruição e demonização de todos aqueles que se opunham ao seu governo, oferecendo medidas e soluções imediatas para uma crise econômica nunca vista antes na Alemanha, atraindo, psicopatas e preconceituosos que viam naquela uma oportunidade de colocar para fora toda sua violência, que naquele ponto já era validada pelo governo.

À medida que o número de desempregados subia, mais alemães votaram nos nazistas, e o número de membros se elevou, onde uma guerra perdida, uma revolução e um senso generalizado de humilhação nacional, fez de Hitler a figura representante do salvador ou da única forma de salvar a pátria e reaver o que todos haviam perdido.

Um discurso de ódio se alastrou, camuflado, é claro de Liberdade de Expressão, e que se antes era um causador de vergonha, neste momento se torna estímulo aos jovens que viam nessa uma oportunidade de depositarem suas revoltas em todos aqueles que não se enquadravam como parte do ideal imposto por Hitler. O que não sabiam, portanto é que essa fantasia de uma sociedade perfeita e mais justa estava camuflada de “caixa de pandora”, usando da esperança para disseminar o mal.

Numa democracia liberal construída principalmente de um Estado que concentra poder e o utiliza pelo bem dos cidadãos; da igualdade de todos perante a lei; e dos mecanismos de controle do poder, como eleições livres, o que se tem é o começo de uma ditadura, em que líderes populistas nacionalistas usam dessas eleições para chegar ao poder e, a partir de dentro, corroer e apodrecer todos os outros pilares dos governos populares, legitimando esse processo e o transformando em arma contra a própria democracia.

Do ponto de vista qualitativo, porém, a situação só piora, em que o apoio à globalização tem sido substituído em muitos lugares por uma ênfase na soberania nacional. Gerando uma nova tendência que ganha força dentro do próprio mundo democrático. Estados Unidos, Reino Unido, Costa Rica, Paraguai, Colômbia, França, Alemanha, Rússia, Holanda, Hungria, México, Venezuela, Polônia e Brasil, cada um a seu modo, exemplos de países nos quais a agenda do nacionalismo populista ganha espaço crescente, distorcendo direitos e liberdades em prol da manutenção de um poder segregador.

A manipulação das informações que chegam até as pessoas é, no entanto, apenas parte da história, dependendo principalmente da sociedade que por vezes se mostra disposta a apostar num candidato com discursos de extrema direita. E, por incrível que pareça, diferente do que podemos imaginar, esse apoio não vem da camada pobre da sociedade, mas da classe média, de pessoas que perderam status devido à crise econômica, ou de grupos étnicos e raciais que deixaram de se sentir culturalmente dominantes, como é o caso do homem branco, heterossexual, que passa por uma crise de identidade quando tem seus privilégios questionados por mulheres, negros e homossexuais.

Aqui, no Brasil, temos o caso esdrúxulo do candidato à presidente Jair Bolsonaro, uma cópia muito menos inteligente de outros ditadores que representa uma verdadeira ameaça á democracia e as conquistas já adquiridas pelos grupos “de menor relevância, social e cultural do país”, transformando em luta ideológica o que começou como campanha anticorrupção, porém sua luta, como bem deixa claro em suas entrevistas odiosas, não é por recursos e melhoria da sociedade, mas sim por reconhecimento pessoal e de causa.

Políticas econômicas ruins e políticas externas podem causar crises que têm consequências perigosas, onde os políticos geralmente exigem poder arbitrário para lidar com uma emergência nacional e restaurar a “ordem”, embora os problemas subjacentes sejam causados ​​por políticas governamentais ruins e pela cegueira da população desesperada por uma solução. No entanto, a liberdade só pode ser protegida se as pessoas se importarem o suficiente para lutarem por ela.

Em tempos de eleição, é fácil perceber lobos em pele de cordeiro, ditadores aspirantes que por vezes revelam suas intenções através de seu evidente desejo de destruir e acabar com sua oposição, de resgatar valores “tradicionais da família” e de alucinações psicóticas como vemos até hoje através do pânico que alguns deles querem gerar por conta do tão famigerado e decadente comunismo. Não diferente dos discursos religiosos que ainda vemos disseminados por pastores que consagram a sua divindade através das palavras distorcidas de Deus e dos inimigos que eles consideram seus.

O filme de Chaplin, portanto, manifesta sua resistência a esse tipo de governo e a esse tipo de doutrina, e mais atual do que nunca oferece um antídoto contra as paixões políticas e religiosas cegas, contra o culto à personalidade e a santificação, ingredientes estes fundamentais para barbáries que aconteceram no século XX e quiçá estão acontecendo no século XXI. O Grande Ditador é o ponto final da obra de Chaplin que inclui humor e história com uma narrativa crítica, ácida e realista sobre os efeitos negativos do poder e da ganância sobre o caráter humano que permanece latente entre nós como uma peste adormecida e que usa das aspirações divinas para comprar a mente dos mais ignorantes.

Apesar de saber que são em tempos difíceis que as pessoas frequentemente estão dispostas a aceitar e apoiar coisas terríveis – que seriam impensáveis em tempos prósperos – que não podemos nos iludir e acreditar que os fins justificam os meios, que a violência justifica a paz, de que Deus justifica o extermínio e de que as liberdades de expressões justificam os preconceitos, NECESSITA CONCLUSÃO.


Referências

CHAPLIN, Charlie. O Grande Ditador. Estados Unidos: United Artists, 1940. Lançamento: 15 de outubro de 1940.
HEGEL, Friedrich. Fenomenologia do Espírito. Cáp: Independência e Dependência da Consciência-de-si. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1992.
KERSHAW, Ian. Fateful Choices: Ten Decisions That Changed the World, 1940-1941. Londres: Ed: Allen Lane. 2007.
POWELL, Jim. How Dictators Come To Power In A Democracy. Forbes, 5 de fev de 2013.