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Arte e Religião

Arte e Religião

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Não é fácil escrever sobre a beleza, ainda mais em um periódico que trata de senso religioso. Aqui precisaríamos tratar de dois sensos que se entrelaçam: o senso religioso e o senso estético.

A contemporaneidade é um tempo marcado, de maneira muito forte pela diversidade. Mesmo a diversidade é diversa e temos que falar de diversidades. A contemporaneidade nos abre os olhos para perceber que a beleza não tem uma medida precisa, uma métrica ou um cânone. A contemporaneidade nos abre a possibilidade de tratar de belezas: um senso estético indígena, negro, da periferia, do centro, clássico e por aí vai.

Em que isso toca a temática do senso religioso? Muito simples: desde a antiguidade, a temática Deus (o que envolve também a religião) envolve, também, a da beleza. Santo Agostinho, na abertura das Confissões, trata Deus de beleza antiga e nova, que não é algo externo à pessoa, mas que habita o seu interior. A beleza buscada fora, na verdade, estava dentro do buscador. Ela, a beleza, é algo capaz de tocar a sensibilidade, de mover afetos e de converter o espectador nela própria. A experiência da beleza faz também do ser humano, belo. A experiência estética reconfigura o mundo ou, pelo menos a percepção que temos dele. Enquanto a fealdade teima em existir, em gerar caos nas nossas percepções da realidade, a beleza, ao nos afetar, cosmifica e nos ajuda a dar sentido à existência ou nos ajuda a resistir às pressões. Talvez a beleza possa ser a deusa dos sem deuses.

Um dos meus contatos com a beleza foi ver o amigo Zé Veloso, que escreve nesta edição, rabiscar todos os verbos de páginas da Bíblia. Talvez a beleza se faça de contemplação e não tanto de movimentos. Nos verbos rabiscados o senso do texto há que ser reescrito, construído, desde percepções plurais.

Em sentido um tanto religioso, o artista sacro Claudio Pastro, em sua obra “O Deus da Beleza”, afirma que a beleza é um direito e este direito gera direto à festa, à celebração. Talvez Pastro esteja correto. Em uma realidade profundamente marcada pelo consumismo e por uma nova tentativa de canonizar o belo, com estéticas um tanto anacrônicas, é necessário afirmar o direito à beleza, ou o direito às belezas, capaz de gerar em nós um novo sentido e novas formas de nos relacionar com o mundo e com as pessoas, para além do seu aspecto utilitário, mas recuperando o gozo de existir. Direito de contemplar as diversas belezas que nos circundam, rabiscar páginas, reescrever, dançar, e, qual Dom Quixote, inventar mundos.

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O escritor russo Dostóievski dizia que somente a beleza nos salvará. Fico a pensar: nos salvará de que? De nós mesmos.

Boa leitura.