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Deus são muitas!

Deus são muitas!

© Jon Tyson

É preciso todos os dias refletir sobre nossa espiritualidade, nosso jeito de ser e agir no mundo, e a presença de Deus constante em cada um e cada uma. Torna-se ainda necessário olharmos onde Deus tem sofrido e se feito humano. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), que são atualizados quase que diariamente no site QUEM A HOMOTRANSFOBIA MATOU HOJE. Em 2016, foram assassinados no Brasil 343 LGBTs, um crime de ódio a cada 25 horas. Desses, 173 eram gays (50%), 144 (42%) trans (travestis e transexuais), 10 lésbicas (3%), 4 bissexuais (1%), incluindo 12 heterossexuais, como os amantes de transexuais (“T-lovers”).

Acredito que todos devem recordar o caso de Orlando, no ano de 2015, que foi catastrófico, e exemplo da barbárie das inúmeras mortes da população LBGT.  No Brasil temos cerca de seis massacres na mesma proporção de Orlando. Todos esses fatos, ligados a uma cultura machista, homofóbica, lesbofóbica, bifóbica e transfóbica. Deivis Macedo em seu livro sobre movimento ecumênico juvenil, nos traz algumas inquietações, onde “fica transparente que não nos envolvemos nas questões que têm roubado a vida de muitos. Acabamos por perceber uma crescente de injustiça e desigualdades que é uma realidade próxima a nós (…)”.

Na cultura judaico cristã, afirmamos constantemente que somos a imagem e semelhança de Deus, mas que imagem de Deus nós somos? Será que reconhecemos o rosto de Deus cotidianamente? Parece que estamos cegos diante dessas injustiças, que se naturalizaram.

Na tradição bíblica, Deus sempre está e se manifesta do lado dos mais fracos. Deus sempre se manifestou no rosto dos marginalizados. Se todos os seres humanos são a imagem e semelhança de Deus, sua figura não pode ser apenas masculina e heterossexual. Se Deus  é  amor e faz de toda pessoa humana sua imagem e semelhança, então Ele é também na pessoa gay, na lésbica, na travesti, na mulher transexual,  no homem trans, no/a bissexual e por ser amor, assume diversas manifestações da vida! É preciso entender Deus, não em um sentido exclusivista, mas também reconhecer sua presença na vida humana, especialmente no rosto de quem sofre.

Reconhecer o rosto plural de Deus é um desafio, um sinal de maturidade e de transcendência. Um processo de libertação. É ver que Deus está além do dogma e do gênero, reconhecendo que ele está na vida e no rosto de cada um e cada uma. No livro QS inteligência espiritual – o Q que faz a diferença, os autores contam que os místicos judeus nos lembram de que Deus tem “dez” rostos, ou seja, muitas faces. E o verdadeiro místico é aquele que se habilita a conhecer o melhor de Deus que está por trás de todas as faces. Os islâmicos também falam dos 99 nomes de Deus e até que existe um centésimo nome.

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Vivemos uma cultura, que ignora e rejeita a presença Sagrada que habita em cada pessoa LBGT, chegando ao cúmulo de desejar até a sua morte.  As igrejas cristãs e religiões que têm como função revelar a presença divina no mundo, afirmam nos altares e espaços eclesiais que todos seres humanos somos sua imagem. No entanto, diante de pessoas cuja orientação e sensibilidade não correspondem a imagem social do patriarcalismo, as rejeitam e negam nelas a presença divina. Mas essas mesmas igrejas que deveriam testemunhar o amor divino no mundo, acabam de alguma forma sendo coniventes com essa cultura de morte. Esquecem que Deus se fez radicalmente humano em Jesus. Assim como não se pode crer em um Deus que não dance, eu não poderia crer em um Deus que tivesse gênero. Talvez, Nietzsche, esteja certo ao lamentar que, por enquanto, tudo isso seja humano, demasiado humano…e não cumprimos nosso papel de ser espiritualmente livres.

O exercício de reconhecer Deus é um exercício de olhar para dentro de nós e para o/a outro/a. De retirar as máscaras que escondem os nossos incômodos. As fobias que nos rodeiam. E reconhecer que Deus é livre, é o amor, e isso basta!