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Budista Cristão: o relato de um jovem

Budista Cristão: o relato de um jovem

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Em 1927, meus bisavós, Soshichi Tada e Suke Tada, vindos de Hokkaido, extremo norte do Japão, desembarcaram no porto de Santos, depois de muito tempo a bordo do navio Wakasu Maru. Um rapaz de 15 anos, Sadao Tada, segundo filho do casal, trabalhou durante toda a viagem para garantir porções extra de comida para seus irmãos mais novos. Eu tenho muito orgulho desse rapaz, que veio a ser meu avô. Trouxeram na bagagem pouquíssimas coisas materiais, afinal de contas eram pobres e tinham que guardar espaço para as toneladas de esperança que enchia seus corações. Não tinham apenas a esperança de prosperidade no país desconhecido em que a terra era fértil e, no qual, tudo que se plantava, nascia. Traziam também seus espíritos alimentados da religião nova, a religião do futuro, o segredo do sucesso da Europa, o cristianismo. Por sorte, a esperança nos alimenta para a caminhada, não sendo fundamental que se chegue a qualquer lugar. Todos morreram pobres, mas até onde eu sei nunca lhes faltou o alimento. E tiveram dignos enterros cristãos.

No mês de outubro de cada ano se realiza o encontro nacional da Família Tada. Um padre cristão japonês reza uma missa nesse encontro e fala da beleza da fé dessa família que, para a época foi bastante inovadora ao professar o cristianismo. No auge de minha neurose, fico imaginando que meus tios e tias estão olhando para mim desconfiados, tentando entender porque eu, que fui criado extremamente cristão, com o refinado toque do protestantismo, pratico hoje o budismo amidista, o mesmo que meus ancestrais deixaram no Japão há noventa anos. Nunca lhes respondo nada, afinal de contas essa pergunta se dá apenas na minha imaginação, e ninguém está de fato preocupado com a religião que eu professo. Mas enquanto escrevo esse texto, de certa forma, arrumo um jeito de me responder.

Sou um cristão budista, ou, talvez, um budista cristão. Minha prática do dia a dia é totalmente budista. Participo alegremente das cerimônias de solstício e equinócio. Não falto de modo algum às cerimônias de início e fim do período de finados, no qual a mitologia budista nos ensina que somos visitados por nossos ancestrais. Recito sutras em japonês e acendo incensos para Buda Amida. Tenho certeza que nada disso me impede de ser cristão, pelo contrário, me sinto hoje um cristão muito melhor que antes.

Meus pais tentaram me ensinar com a fina flor do cristianismo, mas não puderam impedir que eu tivesse contato com um cristianismo fundamentalista e violento. Aprendi e desejei viver com uma noção deturpada de culpa cristã que me aflige ainda hoje diariamente. E foi só com o budismo que, finalmente pude entender o sentido do conceito de Graça, que na minha opinião, sustenta todo o corpo dos ensinamentos de Cristo. Jesus Cristo me ensina a ser um bom budista, e Buda Amida me ensina a ser um bom cristão.

Não vivo na fronteira entre o budismo e o cristianismo. Não tenho uma dupla pertença. Ignoro as pertenças para poder ser justo comigo mesmo e entendo ser mais justa a integridade do que a exclusividade.

A culpa que deixo impregnar em mim me faz refletir sobre as possíveis decepções que gero a meu pai nascido católico e presbiteriano por opção, a meu avô, nascido e enterrado católico, e a meu bisavô, nascido budista e convertido ao cristianismo. Pode parecer que fiz o caminho contrário aos de meus antepassados, mas isso é apenas ilusão. Não me converti ao budismo, e nem preciso me converter. Incluí o budismo nas práticas da minha vida porque me converti de uma vida morna a uma vida cheia de esperança, esperança na fé, e fé no caminhar. Assim, estou certo de que não sou de uma religião diferente. Professo exatamente a religião dos meus pais.

Que a Graça de Jesus Cristo nos acompanhe a cada dia. Que a compaixão de Buda Amida nos ensine a amar. Porque Dele é o reino e a glória para sempre. NamuAmidaButsu.