O Fim da Religião e os Desafios Contemporâneos
Somos frutos da morte de Deus anunciada como uma das bases fundamentais para compreender a contemporaneidade. Essa máxima teve e, ainda tem, impacto significativo sobre o nossa leitura de mundo, nossa forma de agir e, por fim, nossa forma de crer. Aliás, a relação entre a filosofia e a fé, da modernidade até aqui, apresenta uma linha bastante tênue que nos servirá de horizonte para refletir a seguinte questão: qual é o fim da religião? De forma despretensiosa, podemos brincar com a palavra “fim” e lhe dar dois sentidos: a) momento em que se interrompe algo; b) ao que as coisas se destinam.
É possível perceber que a Religião sofreu duras críticas no cenário da filosofia contemporânea. Foi lida e percebida como forma de alienação e como mecanismo de esvaziamento da vida. Logo, o fenômeno religioso foi preterido, por muitos pensadores, através de uma meta: afirmar a vida. A negação do Sagrado serviu ao homem contemporâneo, por muito tempo, como busca de autenticidade e de autonomia. À luz da crítica de Feuerbach acerca de Deus, por exemplo, lemos uma necessidade humana de criar um ser para que fossem projetadas suas angústias e fragilidades. No prisma do filósofo, a essência do homem, isto é, a sua consciência, faz com que esse mesmo homem compreenda a sua existência.
Sua consciência também o inclina a pensar em suas limitações. Logo, para Feuerbach, a Religião se interpõe entre essa realidade humana — que reconhece a si mesma como limitada e finita — e a tentativa de sanar esse mal-estar através de um sentimento que busca o infinito. Lemos aqui, claramente, que a crítica à religião se direciona ao desejo do absoluto que, em alto grau, retiraria do homem a força de sua própria vida.
Pensar a religião com fonte de alienação não é algo que se encerra nas perspectivas de Feuerbach. Marx também compreendeu que ela estava a serviço de uma operação bastante singular: a exploração do trabalho na manutenção da opressão da classe burguesa. Para o filósofo alemão, a experiência religiosa apoiaria-se numa força de abstenção da realidade e, mais, serviria à lógica de dominação que se arrasta ao logo dos tempos entre o opressor e o oprimido.
Vale dizer que, para Marx, a religião estaria, junto a outros elementos, no lugar de assujeitamento, uma vez que ela seria o sol ilusório que o homem gira em torno, enquanto não percebe a si mesmo. Segundo o filósofo, “a religião não cria o homem, mas o homem cria a religião.” (MARX, Crítica da filosofia do direito de Hegel). Assim, compreendemos que, nesse lugar de verificação, a experiência religiosa estaria associada à renúncia de uma autencidade do homem que radicalmente afirmaria sua existência concreta e se proporia a constituir um mundo estritamente humano.
Nesse sentido, somos levados a considerar que o fim da religião estaria ligado, para aqueles pensadores, ao surgimento do homem e de sua dignidade. Ora, a religião não findou mesmo com os ataques dos filósofos. É difícil concluir o porque dessa persistência da experiência religiosa. Todavia, é possível compreender e analisar seus entornos em nossa realidade.
O cenário atual nos trouxe, com as críticas, inclusive à religiosidade, para um lugar de diferença e de múltiplas perspectivas. Aqui vale dizer que encontramos o outro significado para o termo fim: o lugar do diálogo. Pensar que os filósofos contemporâneos destruíram as narrativas absolutas nos permite adentrar num esforço de aceitar as diferenças, e mais, aprender com cada uma delas. Pensamos ser esse o fim da religião, na medida em que ela se propõe à restituição das alianças que, por algum motivo foram quebradas.
Acreditamos que a expressão da Religião denota, essencialmente, uma visão de leitura da realidade. Todos nós, o tempo todo, buscamos dar sentido à nossa existência, ao mundo e aos valores que elegemos e constituímos. Pensamos, contudo, que essa busca exige um desafio ético: a construção de um horizonte de dialógico e renúncia aos enquadramentos violentos.
Por fim, somos inclinados a agradecer os pensadores que são a base da filosofia contemporânea. Eles, cada um ao seu modo e crítica, destruíram nossas pretensões de supremacia e poder e abriam espaço para o real fim, segundo pensamos, da religião: o diálogo e o reconhecimento da dignidade humana expressa nas diferenças.
Professor do Departamento de Filosofia da PUC Minas. Professor da Plataforma Feminismos Plurais. Mestre em Filosofia pela FAJE. Doutorando em Ciências Sociais pela PUC Minas. Autor do livro Inflexões éticas. Colunista da Revista Senso. E-mail: thiagoteixeiraf@gmail.com.