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Ainda que sem religião

Ainda que sem religião

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Raramente perguntam se caso sou adepto de alguma religião. Raro, porque me senti pouco inclinado ao debate. Ainda assim, quando o questionamento parece propício entre diálogos, respondo: – Católico não praticante, com ares de quem sabe o que é, mas, em paradoxo, de quem não acredita tanto assim. Em verdade, por detrás disso, há muitos porquês, e poucos os efetivos religiosos que inteiramente entendem.  

Afirmar-me sem religião é um desafio porque socialmente o termo atrai consigo uma imagem tão distante de minha identidade. Ao que cedo percebi, se há fé, mas não endereçada a alguma instituição religiosa, eis que alguns insistentemente me enquadravam como ateísta ou, sob um viés mais cristão, herege. Ambos os termos não espelham minhas convicções, exceto talvez, ainda na adolescência, quando, por curtíssimo tempo, me reconheci ateísta – o que gerou especial preocupação por parte de meus avós maternos -, que, no entanto, logo abandonei o uso da descrição quando enfim compreendi o que vinha a ser ateu. Em conclusão, sopesando a dificuldade de se encontrar uma simples palavra que pudesse me definisse – ao invés de explicações – e pela constante fuga das discussões a respeito, retornei ao formato católico não praticante.  

O termo se demonstrou suficiente. Pouco tempo atrás, no entanto, fui convidado a refletir (com implícita resistência) sobre como seria possível vagar pelo mundo sem orações, adorações, ofertas, meditações e, principalmente, sem religião. Durante esse tempo, em diversos momentos, me questionei novamente se a falta de uma instituição religiosa anexa em minha vida não estaria fundada em reais convicções ateístas. Tenho fé, mas sem Igreja! Tenho fé?? A dúvida se entrelaçou aos ecos ainda em memória de meus avós maternos vociferando contra minha suposta adolescência herética, porque não participante assíduo de eventos religiosos. Já naquela época, mal sabia, em verdade, que caminhava para o que hoje reconheço praticar uma fé sem lanços a religiões, uma fé não institucionalizada.  

O marco divisor ocorreu há três anos, quando decidi ir a uma missa de domingo após alguns anos ausente. Naquele dia, não com o objetivo de encontrar falhas nas pregações, prometi que deveria participar por inteiro do ritual e finalmente – quem sabe – encontrar o significado daquela religião repassada por meus familiares. O plano deveria definir minha entrega ou minha renúncia. E definiu. O evento religioso trouxe consigo certas lembranças de um passado marcado pela rejeição (suavemente alimentada pela Igreja) de minha homossexualidade que medrosa já florescia. Em resumo, pelas mágoas da infância e da adolescência e pelas referências da época, não oficialmente renunciei às normas do Catolicismo. Digo renúncia, pois me responsabilizei por aquilo que queria e não queria mais acreditar.  

A partir disso, a fé sem endereçamento institucional se fortificou. Um empoderamento sobre o que acredito se expandiu de modo antes inimaginável. Questionamentos existenciais, sensíveis e talvez sombrios, que compõem a própria fantasia humana, tornaram-se mais frequentes sem grandes dificuldades, em uma mistura livre e solta de ciência e de espiritualidade.  

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Convicções e decisões à parte, as instituições religiosas sem dúvida são erguidas por pilares da solidariedade com o intuito de se alcançar a melhora individual de cada um de seus fiéis e também o objetivo de despertar a empatia entre as diversidades e o apoio coletivo. Elas têm sua função no mundo e certamente admiro todos os pontos positivos salientados por cada uma delas. Fato é que reconheço (e somente digo em meu nome) a importância da fé, não necessariamente em uma instituição religiosa, mas na vida em si. Afinal, não creio ser o homem capaz de desbravar pela vida sem força divina inerente que o guie e o inspire pelo caminho.  

Embora não mais filiado, no entanto, socialmente me descrevo católico não praticante para evitar o estranhamento de alguns e o levantamento da própria discussão. Ainda que distante de qualquer religião, tenho plena convicção de que sou parte de um grandioso fenômeno divino inexplicável até mesmo pela ciência, que tanto prezo.  E mais a fundo, somente creio ser participante dessa corrente cósmica porque detenho fé, sem nome nem endereço, que me orienta e me eleva ao divino. Ainda que sem religião.