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Quem são e de onde vêm? São milhões de sem-religião e…

Quem são e de onde vêm? São milhões de sem-religião e…

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Entre os diversos grupos religiosos que constam no Censo de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o dos sem-religião é o terceiro maior do cenário religioso brasileiro e instiga, impreterivelmente, a pesquisa de estudiosos da religião. 8,04% de brasileiros se declaram sem-religião, o que corresponde, em termos absolutos, a 15.335.510 indivíduos. (IBGE, 2017b). Não são centenas, nem milhares. São milhões. Além disso, os dados dos últimos censos revelam que os sem-religião não param de crescer. Nas últimas três décadas – 1991, 2000 e 2010 – constata-se uma diminuição no ritmo de crescimento do grupo, porém a taxa ainda permanece superior à da população brasileira. (IBGE, 2017g). No Brasil abarrotado e fracionado de igrejas e de novos movimentos religiosos, o fenômeno dos sem-religião incita várias perguntas, tais como: Quais os motivos que levam esses indivíduos a se firmarem como sem-religião? O que pensam sobre religião? Será que cultivam alguma espiritualidade? Será essa espiritualidade uma espiritualidade não-religiosa? Qual o perfil do grupo dos sem-religião? No presente artigo, meramente para início de conversa, vamos nos ater a essa última pergunta. Com certeza, a Revista Senso possibilitará em publicações futuras a abordagem das outras questões.

O IBGE apresenta dados sobre os sem-religião a partir de vários quesitos – sexo, idade, raça, nível de instrução, renda e lugar geográfico –, mas tendo sempre como referência a população brasileira. Importante lembrar que nos censos demográficos o foco é a população brasileira, sendo assim, não constam informações que descrevam a especificidade de cada grupo religioso. Tal posto, resta-nos fazer uso dos dados disponibilizados pelo IBGE e operar os cálculos necessários a fim de construir o perfil interno do grupo dos sem-religião, permitindo compará-lo com o perfil da população brasileira e descobrir elementos que diferenciam um do outro. O que apresento logo em seguida não é mais do que o resultado desse trabalho, que consiste nas características que, para mim, são as mais relevantes do grupo dos sem-religião no Brasil, acompanhadas de breves indagações.

No quesito sexo (terminologia usada pelo IBGE), os dados (IBGE, 2017d) revelam que, ao contrário da população brasileira, o percentual de homens sem religião no Brasil é superior ao percentual das mulheres. Desse modo, deduz-se que o grupo dos sem-religião atrai mais homens do que mulheres. Relativamente aos percentuais das faixas etárias dos sem-religião e da população brasileira (IBGE, 2017d), atesta-se que o fenômeno dos sem-religião é predominante nos indivíduos dos 15 aos 39 anos. Nesses grupos de idade os percentuais são sempre superiores aos da população brasileira. Interessante pontuar que os indivíduos dessas faixas etárias são os que estão mais sujeitos às mudanças socioculturais. Ademais, os percentuais altos verificados nas primeiras faixas etárias do grupo dos sem-religião instigam a pensar a possibilidade de estar havendo uma quebra na transmissão das tradições religiosas.

Outro elemento significativo é apresentado quando a categoria analisada é a cor. Conforme os dados (IBGE, 2017c), a percentagem de pessoas de cor parda e preta é maior nos sem-religião (47,06% e 11,07% respectivamente) do que na população brasileira (43,42 % são pardos e 7,52% são pretos). Conclui-se, assim, que o fenômeno dos sem-religião no Brasil repercute mais nos indivíduos pardos e pretos. Por outras palavras, quanto à composição, o grupo dos sem-religião em valores absolutos tem mais indivíduos pardos e brancos, porém, quanto à atração, atrai mais indivíduos negros (formada pela população preta e parda).

Para quem associa o fenômeno dos sem-religião à erudição, surpreende-se ao analisar os dados do Censo de 2010.  Os percentuais relativos ao nível de instrução (IBGE, 2017e) revelam uma aproximação de valores entre os sem-religião e a população brasileira, ou seja, sob o prisma da categoria “Instrução”, o perfil do grupo dos sem-religião se assemelha ao perfil da população brasileira. Apenas um dado se realça, a saber: um valor percentual menor no nível superior completo no grupo dos sem-religião (10,91%) em relação ao da população brasileira (11,27%). Por outras palavras, o número de indivíduos no nível superior completo do grupo dos sem-religião está abaixo da média nacional. Esse dado sugere que o conhecimento que é adquirido nas escolas e nas universidades parece não repercutir no fenômeno dos sem-religião.

Do mesmo modo surpreende-se quem associa o fenômeno dos sem-religião a um status quo elevado. No quesito renda (IBGE, 2017f), os percentuais do Censo de 2010 sugerem que o perfil dos sem-religião segue o mesmo curso da população brasileira, isto é, tanto para o grupo dos sem-religião, quanto para a população brasileira, os valores mais altos encontram-se nas classes com rendimento entre 1/4 a 2 salários mínimos e os menores percentuais estão nas pessoas que têm um rendimento mensal acima de 10 salários mínimos e nas que ganham entre 5 a 10 salários. No entanto, a diferença em pontos percentuais (p.p.) revela que os sem-religião são um fenômeno com maior incidência nas classes menos favorecidas (a diferença mais alta é de 1,62 p.p., que se refere aos indivíduos sem rendimento). Porque as diferenças percentuais mais altas encontram-se nas classes menos favorecidas, conclui-se que a grande maioria dos sem-religião é composta por indivíduos que que ganham até um salário mínimo.

A tabela dos sem-religião e da população brasileira por grandes regiões mostra nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste percentuais próximos uns dos outros e somente uma diferença se evidencia: os percentuais das regiões Sudeste e Sul; as diferenças em pontos percentuais atingem os valores de 4,24 p.p. para a região Sudeste e -5,75 p.p. para a região Sul. Isso significa que na Sudeste existem mais sem-religião e na Sul, menos sem-religião do que na média nacional. Conclui-se então que a Sudeste é a região brasileira que mais favorece o crescimento dos sem-religião e a Sul a menos favorecida para a propagação do grupo.

Todavia, analisando o percentual dos sem-religião pelas capitais dos estados brasileiros (IBGE, 2017d), constata-se que o fenômeno dos sem-religião está disseminado no Brasil. No topo da lista está Salvador, com 17,64%, na base, Teresina, com 4,50%, sendo ambas capitais da região Nordeste. E não são apenas esses, mas o conjunto de dados corrobora com a ideia da difusão do fenômeno dos sem-religião, pois encontram-se capitais da mesma grande região ora no topo, ora no centro, ora na base da lista. A leitura dos municípios por estado (IBGE, 2017d), além da disseminação, manifesta também que o fenômeno dos sem-religião não se concentra nas metrópoles. No topo da lista de cada estado, por exemplo, aparecem pequenos municípios com um percentual de sem-religião superior ao da capital e/ou de outras cidades de expressão populacional do estado.

Esse, então, é o perfil do grupo dos sem-religião no Brasil, de acordo com os dados do IBGE. No Censo de 2010 o IBGE (2017b) ainda se identifica uma peculiaridade onde subdivide-se, pela primeira vez, os sem-religião em três subgrupos: os sem-religião sem religião, os sem-religião ateus e os sem-religião agnósticos. Essa primeira categoria, os sem-religião sem religião, criada pelo IBGE, inclui indivíduos sem religião, mas com fé. Os percentuais de cada subgrupo demonstram que do total daqueles que se declaram sem-religião (15.335.510 indivíduos), 95,15% são sem-religião sem religião, o que corresponde a 14.595.979 indivíduos, e apenas 3,98% são sem-religião ateus (615.095 indivíduos) e 0,87% é sem-religião agnóstico (124.436 indivíduos). Nesse sentido, o número crescente de indivíduos sem-religião no Brasil não aponta o crescimento do ateísmo. Os sem-religião não são necessariamente pessoas descrentes e/ou indiferentes às questões religiosas.

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Percebe-se nas linhas acima que alguns quesitos, tais como instrução e lugar geográfico ajudam, mas não são determinantes na compreensão do fenômeno dos sem-religião. Não obstante, outras variáveis indicam características relevantes do grupo no Brasil e algumas até surpreendem. É o caso de o fenômeno dos sem-religião não estar associado ao nível de erudição e a um status quo elevado, e de o aumento de sem-religião não apontar necessariamente para a consolidação do ateísmo no Brasil. Creio ainda que, para embasar essas e outras indagações que foram expostas, os dados quantitativos não são suficientes. Os dados do Censo são importantes na medida em que revelam o perfil da população brasileira e de determinado grupo, no caso os sem-religião, mas demandam sempre um maior aprofundamento. Ademais, os dados do Censo contêm limites e certos elementos “[…] mais sutis só poderão ser captados por estudos de natureza qualitativa.” (AMARAL, 2013, p. 303).

Para encerrar, mais uma observação. Historicamente, como se pôde ver na análise dos dados, o grupo dos sem-religião no Brasil persiste numa dinâmica ascendente. O seu ritmo de crescimento é sempre superior ao da população brasileira. Por mais que fervilhem novos movimentos religiosos e multipliquem-se novas igrejas na sociedade brasileira, julgo que as mudanças que se processam na contemporaneidade são favoráveis para o crescimento e disseminação do fenômeno dos sem-religião. Verificamos que, para a compreensão desse fenômeno, os dados quantitativos ajudam, porém não bastam. O que expus neste texto foram apenas alguns tópicos para estimular a reflexão acerca desse fenômeno, mas, afinal, Quem são estes e de onde vêm? Estes são milhões de sem-religião e…, certamente, vêm da “grande tribulação” causada pelo desmoronamento de instituições, crenças e doutrinas religiosas que erigiam programas de vida que eram vigorosos na vida dos indivíduos e da coletividade. Decerto, estes vêm também de outras vicissitudes, mas de ordem social, cultural, dentre outras. Se enveredarmos pela análise qualitativa descortinaremos, seguramente, outros elementos que ajudarão a complementar o que foi exposto neste texto.


Referências

AMARAL, Leila. Cultura religiosa errante. O que o Censo de 2010 pode nos dizer além dos dados. In: TEIXEIRA, Faustino; MENEZES, Renata (orgs.). Religiões em movimento. O Censo de 2010. Petrópolis: Vozes, 2013, p. 295-310.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. População por religião.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Tabela 137 – População residente por religião.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Tabela 1489 – População residente, por cor ou raça, segundo o sexo e a religião.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Tabela 2103 – População residente, por situação do domicílio, sexo, grupos de idade e religião.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Tabela 3457 – Pessoas de 25 anos ou mais de idade, por nível de instrução, sexo e religião.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Tabela 3458 – Pessoas de 10 anos ou mais de idade, exclusive as cuja condição no domicílio era pensionista, empregado(a) doméstico(a) ou parente do(a) empregado(a) doméstico(a), por religião, sexo e classes de rendimento nominal mensal domiciliar per capita.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Taxa média geométrica de crescimento anual da população.