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Pós-reforma Midiática: simulacro de fé que subjetiva tele e ciberdevotos

Pós-reforma Midiática: simulacro de fé que subjetiva tele e ciberdevotos

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A começar pelo nome, a revista “Show da Fé” mostra a conversão de religiões em bens midiáticos. Não há economia dos discursos de subjetivação. Em letras garrafais, a manchete de capa, da edição 205, sentencia:

“Família que obedece prospera”

A mão que oferece a salvação é a mesma que condena. Não há como fugir, pelo menos para 86,8% dos brasileiros, número do último Censo do Ibge, realizado no Brasil em 2010. Naquele ano, dos mais de 190 milhões de habitantes, 64,6% declararam ser Católicos Apostólicos Romanos e 22,2% disseram ser Evangélicos. Embora a tendência de queda do Catolicismo tenha se acentuado na década de 1980, a crença em Jesus Cristo continuou fervorosa, mas com um discurso social construído numa quase-interação mediada.

Na contramão do sujeito protestante do século 16, que deveria se justificar pela fé e não pela religião, o século 21 superdimensionou a institucionalização da crença balizada na sociedade do espetáculo. A indústria da religiosidade não poupou. Investiu em impérios telemáticos que ocupam os canais de TV e a interface do ciberespaço. Uma espécie de Pós-Reforma converteu-se à gramática midiática e professa, sem o menor pudor, o arrebanhamento de novos cordeiros. Condição intrínseca para aumentar a credibilidade – e o capital – das igrejas que batalham na guerra santa do Ibope.

A embalagem midiática da Pós-Reforma relegou os santos aos papéis de figurantes. A Virgem de Guadalupe, que socorria e alcovitava a pobre coitada dos pastelões mexicanos, perdeu lugar no horário nobre. Essas santidades distantes foram personificadas em olimpianos de diversos tipos como os bispos Edir Macedo e Valdemiro Santiago, ou os padres Fábio de Melo e o sertanejo Alessandro Campos, para ficar naqueles com maior inserção nas redes – de TV e Internet. Blockbusters da fé roteirizada para a tela do vídeo.   

Em 1948, os teóricos alemães Theodor Adorno e Max Horkheimer criaram o conceito de Indústria Cultural. Eles acreditavam que não existia uma cultura feita pela massa, mas para a massa, por meio da grande mídia, à época, cinema e rádio. Apesar da dupla frankfurtiana ter revisto o conceito, ele continua atual. Os “teledevotos” são atravessados pelo discurso institucionalizado das igrejas. Para todos, já há algo previsto, não é preciso pensar. O espetáculo da Pós-Reforma Protestante Midiática castra os desejos num frenesi de imagens e enunciados que prometem a riqueza, o “desencapetamento”, a salvação. Tudo em promoção, que pode ser parcelada no cartão, especialmente com a redução de juros para pagamento da tarifa mínima.

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Sim. A imagem é apocalíptica, como asseverou o escritor italiano Humberto Eco. Mas a subjetivação das mentes ocorre com um clique – do controle remoto ou do mouse. É por meio dessa apropriação da fé que se forma a subjetivação da crença, institucionalizada nas novas religiões. Para o filósofo francês Félix Guattari, a cultura de massa cria mecanismos de submissão dissimulados, que operam não no sentido de interiorizar ou internalizar sistemas de subjetividades como algo vazio a ser preenchido. Trata-se de uma subjetividade não só individual, mas coletiva, uma subjetividade, que por si só, opera no inconsciente, determinando como agir no mundo.

Assim como Chaves toma sua sova diária para reforçar seu lugar na sarjeta, os teledevotos são perpassados pelo discurso de religiosidades transvestidas em simulacro de fé. O espetáculo não pode parar, quanto mais bizarro, melhor. O mítico “Exorcista”, rodado na década de 1970 pelo diretor William Friedkin, saiu da película da grande tela para possuir, rotineiramente, nossos corpos e mentes. Basta pegar o smartphone, ligar a TV ou PC para, como o Chaves, tomarmos nossa sova midiática diária, que nos lembra do nosso lugar de pecadores na carnavalização religiosa dos meios de comunicação de massa.