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Lambuzar-se na Fé e Crescer na Espiritualidade

Lambuzar-se na Fé e Crescer na Espiritualidade

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A espiritualidade é uma dimensão profunda do ser humano, um mistério a ser experienciado e desenvolvido ao longo da nossa jornada coletiva e individual, podendo ser rasa ou profunda, isso depende do nível de permissão e dedicação que cada pessoa faz. É o caminho que conduz ao centro do coração, abrindo nossos olhos para a corresponsabilidade, cuidado com o outro e a beleza do Universo. É a nossa qualidade mais profunda, que gera propósitos concretos para a vida, aperfeiçoando a nossa capacidade de compaixão e relacionamento com o mundo.

Quando ela é desenvolvida de forma livre, leva-nos a ultrapassar as paredes e dogmas institucionais. Foi assim com Jesus Cristo, Martinho Lutero, Luther King, Santa Tereza D’Ávila e tantos/as outros/as que marcaram a história. Quantas vezes nas Igrejas ou religiões, pessoas com profunda espiritualidade, romperam com os padrões e trouxeram o respiro que a vida coletiva precisava: a liberdade. Nestes 500 anos da Reforma Protestante, recordar Lutero é fazer memória à sua coragem profética, que é fruto de uma espiritualidade profunda, reflexiva, questionadora, cotidiana e revolucionária.

Lutero, como frade agostiniano-eremita, recebeu formas fundamentais da espiritualidade medieval: meditatio, oratio, tentatio, sacramenta, caritas.  Sobre essa influência, Lutero elaborou um exercício/método de meditação espiritual que foi inédito na história da espiritualidade: concentração, meditação e oração.  Esse exercício tinha como conteúdo principal a oração do Pai-Nosso e consistia em concentrar, silenciar os pensamentos e chegar a um estado de pacificação interior.

Lutero era inconformado, queria que o povo desenvolvesse a sua fé com a experiência do cotidiano.  Nesse exercício espiritual, ele propunha que após cada verso do Pai-Nosso, a pessoa refletisse a partir das quatro perguntas: O que eu aprendo? (doctrina); Pelo que tenho a agradecer? (gratiarum actio); O que tenho a confessar? (confessio); e Pelo que quero pedir? (oratio).

Lutero percebeu que a espiritualidade precisava estar no cotidiano das pessoas, que não dava para conformar com uma espiritualidade engessada, que não dialogava com a realidade do povo e se prendia aos dogmas. Na década de 40, um teólogo luterano, Dietrich Bonhoeffer, dizia: “O Cristo que está em mim está em mim para você, e o Cristo que está em você, está em você para mim. O Cristo que está em mim, para mim mesmo, é fraco. É forte para você, e o que está em você é forte pra mim”.  Assim, a espiritualidade é a graça divina que perpassa as nossas relações cotidianas, onde descobrirmos a presença do Mistério Divino. Uma dimensão interior que acontece a partir da valorização essencial da “alteridade” (o sentido do outro), nos unindo a uma espiritualidade que liberta, alimenta e transforma.

No momento histórico que vivemos, é preciso se lambuzar na fé que cresce nas relações de alteridade, construindo pontes de amizade, cuidado e aprendizado com diversas tradições. Precisamos ousar ir além do que foi ensinado, reconhecendo que no Brasil nós não andamos sós… E quem sabe, um dia, todos possamos cantar na liberdade e na alteridade:

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“Eu tenho Zumbi, Besouro o chefe dos tupis,
Sou tupinambá, tenho os erês, caboclo boiadeiro,
Mãos de cura, morubichabas, cocares, Zarabatanas,curares, flechas e altares.
À velocidade da luz, o escuro da mata
escura, o breu o silêncio a espera.
Eu tenho Jesus, Maria e José, e
todos os pajés em minha companhia,
O Menino Deus brinca e dorme nos
meus sonhos, o poeta me contou.
Não mexe comigo, que eu não ando só”
(Carta de Amor – Maria Bethânia)


Referências

BUTZKE, Paulo Afonso. Aspectos de uma espiritualidade luterana para nossos dias.
LUTERO, Martinho. Como Orar.